Encontrei o amigo Carlos à saida do salão do Chiquinho Capponaro.
Ele estava chegando; e eu saindo.
— Também vim dar um tapa no telhado, explicou sorridente.
Como bom anfitrião, Chiquinho entendeu logo que não nos víamos há temps e resolveu dar um descanso para as tesouras por alguns minutos.
Fez melhor: liberou um cafézinho esperto para a rapaziada.
— Aproveitem para por a conversda em dia e lembrar os bons tempos.
Dito e feito.
Em segundos, estávamos revivendo os bons tempos em que andávamos pelas redações dessa desvairada Paulicéia.
— Não tinha tempo ruim. Estávamos em todas, lembrou o amigo.
Concordei de imediato.
Ambos trabalhávamos no que hoje chamam de Caderno de Cultura. Carlos escrevia sobre cinema – e eu sobre música popular brasileira.
Vez em quando, um invadia a área do outro.
Não era difícil trombar com o Carlão na pré-estreia de um show.
Eu, cara de pau que só, não perdia uma cabine de lançamento que todas as noites de segunda-feira acontecia no auditório do Macksoud Plaza.
Velhos e bons e inesquecíveis tempos.
A bem da verdade, nunca trabalhamos juntos. Na mesma redação.
Uma pena…
Em determinada ocasião convidei o amigo para colaborar (sem ônus para o jornal, óbvio) com um precursor dos modernos infográficos de hoje que outro amigo, o Clóvis Naconecy, criou para incrementar a seção Bom Programa do nosso breve e valente Jornal da Mooca.
O esquema era simples de tudo.
No fundo, não passava de uma divertida brincadeira.
Em um quadro, alinhávamos o nome dos filmes em cartaz na cidade. No espaço reservado aos nossos nomes, íamos avaliando cada um deles.
Para tanto, usávamos o critério das bolinhas. Assim: uma bolinha, péssimo; duas, razoável; três, regular; quatro, bom; cinco, ótimo.
Para estimular nossa inventividade, precisávamos consolidar nossa opinião com um brevíssimo comentário. Duas ou três palavras, que coubessem no reduzidíssimo espaço do quadradinho que nos cabia.
Havia uma competição entre nós para mostrar quem era o mais criativo.
Não faltaram algumas discussões também. Bastava que um achasse tal filme ótimo(cinco bolinhas) e outro o definisse como apenas razoável (duas bolinhas)para que o ‘fechamento’ da edição fosse tocado a provocações e muita polêmica.
Velhos e bons e inesquecíveis tempos.
Aliás, quando estava me despedindo, o amigo propôs um desafio.
— Vá assistir “Violeta foi para o céu”. Ótimo. Cinco bolinhas. Um soco no estômago.
Continua afiado, o Carlão.
Acabo de sair do cinema.
A cinebiografia da chilena Violeta Parra (1917/1967) é mesmo emocionante.
Não muito. Mas, ouso discordar do amigo.
Dou-lhe quatro bolinhas.
E o comentário restringe-se ao padrão de duas palavras:
Vida dilacerada.