Não conheci meu avô paterno.
Morreu meses antes de eu nascer.
Herdei seu primeiro nome, Rodolfo, até como forma de homenageá-lo e também o jeitão estourado de, por vezes, tentar resolver as pendengas que a vida se nos apresenta.
Não à toa que o apelido do vô Rodolfo era “o Calabrês”.
Ele era alfaiate e chegou ao Brasil no início do século 20, com 16 anos.
Veio junto com os irmãos “fazer a América” – e por aqui ficou.
Constituiu família ao lado de outra oriundi, Rosina Leone, e teve uma penca de filhos.
Aldão, meu pai, era o mais velho deles.
II.
A família sempre tratou a história do vô Rodolfo como um tabu.
Falavam superficialmente dele. Do jeitão ensimesmado, do copo do bom vinho a acompanhar o dia a dia entre tesouras, agulhas e tecidos. E da imensa saudade que sentia da terra natal para onde retornou uma única vez.
Certa vez, ainda jovem, ouvi de algum familiar – não me lembro qual – que vô enlouquecera de tanta melancolia.
Estranhei o silêncio cúmplice da parentada ao redor – o pai não estava presente –, mas não dei importância à falação.
Quando se é mais novo, imagina-se que o momento que vivemos e suas premências – por mais tolas que sejam – são eternas, e o quê efetivamente valem.
Não existe a história.
Nem os passos que fazem o caminho.
III.
Há alguns anos, passei alguns dias em Nápoles e visitei o porto de onde partiam os navios que trouxeram os italianos para o Brasil.
Fiquei tocado com as histórias que lá ouvi.
Nenhuma novidade. Histórias que os livros oficiais nos ensinam ainda que superficialmente. A crise econômica e social, o desemprego, a fome e, sobretudo, a perspectiva de “fazer a América”.
A maior parte dos imigrantes sonhava em voltar à terra natal, enfatizou o guia que nos falava.
Sorte que raros tiveram…
— Imaginem o que era para aqueles homens e mulheres rudes viver longe das pessoas que amavam e da terra onde nasceram?
Não precisei nem dos versos pungentes de “O Sole Mio” para ter uma vaga noção e entender “a melancolia” do vô Rodolfo.
IV.
Passei o fim do ano passado em Torino, na Itália.
Na praça central, o reveillon reuniu uma multidão na praça central para um inesquecível show.
Logo após as badaladas da meia-noite, os fogos e a confraternização, o grupo musical entoou o hino nacional da Itália.
Experiência única. De emoção e alumbramento.
Desconfio que o vô Rodolfo estava entre nós.
Não me perguntem como, mas deu para entender o porquê…