Vou brincar de pega-pega.
Não, não…
Vou brincar de polícia e ladrão.
A arma da Danda é melhor do que a minha.
Não soube fazer. E ela quebrou.
Agora, vou refazê-la.
Preciso de um pedaço de pau, uma tampinha de tubo do creme dental, pregador e elástico.
Se não der certo, faço um bodoque.
(Desisto.)
Vou brincar de carrinho.
Que azar!
Amassei a lata de sardinha – e agora?
Já sei!
Vou brincar de bola lá na rua do tio Mané.
Por aqui, nas redondezas, a vizinha é capaz de furar a bola se ela cair em seu quintal.
Verdade, juro!
(…)
Era tão legal brincar de taco, de queima.
Tantas cabaninhas a chuva destruiu.
Mas, eu e minha turma logo fazíamos outra, e depois outra.
Também sabíamos construir armadilhas para caçar gatos nos quintais da vizinhança.
Gato mesmo, nunca pegamos nenhum.
No fundo, queríamos mesmo fazer as engenhocas.
(…)
Certa vez, montamos um grupo de destemidos caçadores de passarinhos.
Ficamos horas e horas pelos pastos de tocaia, em cima dos pés de caju, de manga e de jambo.
Bodoque em punho, mirávamos aqui, ali e acolá e atirávamos a esmo.
Até que, um tanto ao acaso, acabei por acertar um pequeno pássaro.
Era menor que minha mão.
Sua asa estava esmigalhada como o meu coração ficou naquele preciso instante.
(…)
O Giracabra, o mais velho da turma, teve a ideia de socorrer o pobre passarinho na casa da minha mãe. Eu estava em prantos, desesperada. Rezei para todos os santos e deuses que sequer conhecia. Nunca senti tanto aperto no coração. Tudo o que queria era vê-lo voar novamente entre os galhos do pé de jambo.
Minha mãe nada pode fazer pelo pobrzinho.
Tentei então protegê-lo com minhas mãos de garota sapeca. O amigo Sucupira tentava fazê-lo comer sementinhas de girassol na vã esperança de fortalecê-lo.
Nossos esforços deram em nada.
Ele respirou por alguns segundos mais. Pude sentir seu coração palpitar em minhas mãos. Da mesma forma, senti quando ele parou de bater.
Era tão pequeno aquele coração!
(…)
No dia seguinte, houve uma reunião da turma entre os galhos do pé de jambo.
Decidimos por unanimidade caçar passarinhos ou coisa qualquer.
A vida daquele bichinho nos ensinou o valor da vida, da liberdade.
Ao tentar descer da árvore, o galho em que me apoiei cedeu. Tentei apoiar o corpo em outro galho que também não resistiu.
Um tombo, e tanto.
Tive escoriações generalizadas, e quebrei o braço.
Nunca havia reparado o quanto eram fracos os galhos do pé de jambo.
(…)
Hoje, dentro do apartamento onde moro, olho pela janela gradeada e sinto o sol que se espalha pelas calçadas, pelos jardins.
Pergunto:
Onde estão todos?
Lá fora não há pássaros, e as árvores não dão fruto.
Há até um campinho de grama sintética pronto para o jogo.
Mas, não tem ninguém interessado em correr, saltar, brincar…
Onde estão as crianças, meu Deus, o único e bom Deus que hoje conheço?
*Oi, professor!
Essa é minha autobiografia. No final do texto, fiz uma breve reflexão sobre a automação dos dias atuais.
Obrigado, e boa aula.
Lívia.