Vez em quando, Bentinho acorda no meio da madrugada, e se dá conta do inevitável.
É apenas um homem só. E desconfiado.
II.
A partir daí é um contínuo rolar na cama, de um lado para outro.
Um ligar e desligar o notebook; depois o mesmo com o aparelho de TV.
Até que o olhar se fixa atento aos minutos que se sucedem implacáveis no mostrador do relógio digital.
O tempo parou no oco do nada.
A noite parece não ter fim.
III.
Levanta-se, então.
Andar pelos aposentos do apartamento vazio alivia a tensão.
Para em frente à janela.
As luzes, como um colar de tom sépia, enfeitam as ruas desertas, e cálidas.
Lembra o verso da velha marchinha de carnaval.
“Recordar é viver”
IV
Sabe o que agora o espera…
Velhos fantasmas arrastam correntes, ruidosos, no sótão da memória.
Não que sejam recordações ruins.
Não pode se lamentar.
Ao contrário, têm o doce sabor da nostalgia das coisas que se viveu intensamente.
V.
Hoje quem vem lhe visitar é a lembrança daquela ‘bandidinha’, de olhar oblíquo e dissimulado como o de Capitu.
Nunca houve nada entre os dois.
Nadinha de nada. Apenas uma aproximação.
Quando Bentinho tentou um gesto, ela desconversou – e se foi.
Ele, desconfiado que só, ficou na dele.
VI.
Meses depois se reencontraram, nas tais redes sociais.
Bentinho teclou, em tom de confissão, que foi um desastrado ao lhe fazer o convite.
A Capitu dos tempos modernos brincou com a resposta, em legítimo internetês:
“hahahaha, não veja desta forma… se tem um passarinho na janela e vc se aproxima ele até fica. se se aproxima demais, ele voa, né… mas em alguma manhã, ele (sempre) volta…”
Talvez seja essa a razão de tamanhas insônias.
Bentinho, solitário e insone, continua à espera do raiar da tal manhã.
VII.
De qualquer forma, após a conclusão, bateu-lhe um homérico cansaço que o fez não ter dúvida sobre o próximo passo.
Voltou para a cama, e adormeceu abraçado ao travesseiro e à mais desenxabida desilusão.