O indiscutível talento de Fátima Guedes – creiam! – foi revelado em um festival. Em um festival do colégio onde estudou, bem distante, portanto, das câmeras de TV e do interesse do grande público.
Foi aí que essa simpática carioca, de 22 anos, foi descoberta pelo acurado “olho clínico” do jornalista Roberto Moura. Ao vencer o Festival de Música do Colégio Lê Alonso, no Rio de Janeiro, Fátima recebeu o prêmio e o endosso do jornalista que lhe abriu as portas da gravadora Emi-Odeon.
— Ainda no mês passado estive nesse festival. Só que agora como jurada. Houve toda aquela agitação porque me consideram “cria da casa”. Foi uma recepção incrível. Uma festa, um clima ótimo.
Uma situação, na verdade, bem inversa do que a cantora/compositora pensa encontrar amanhã à noite no Maracanãzinho. Fátima Guedes vai defender “Mais Uma Boca”, no MPB-80.
— Dá para reconhecer que os tempos mudaram. Mas, nem tanto. Enfrentar o Maracanãzinho lotado, confesso, me causa certa apreensão. Certamente, não será uma experiência das mais agradáveis. Mas, enfim… Creio que cumpri meu objetivo: fazer uma boa apresentação para divulgar o meu segundo elepê, lançado recentemente. A partir daí, o que pintar vai ser bom. Em termos de expectativa, é melhor aguardar para ver.
“Fátima Guedes”. Este é o título do álbum, editado pela Emi-Odeon, com esmerado (e inédito) tratamento gráfico. Um cuidado que, segundo Fátima, reflete com precisão “a dedicação com que tudo foi feito”.
— A meta desse segundo disco é embasar e dar continuidade lógica ao trabalho anterior. Pretendo consolidar-me como compositora e intérprete, embora me considere mais compositora do que propriamente intérprete. Minha voz é mais uma matriz para outras interpretações. Mesmo assim, acho o disco bem melhor do que o anterior, com composições mais quentes, mais recentes.
Fátima considera “genial” a solução encontrada pelo artista gráfico Elifas Andreatto para a apresentação do novo disco – uma espécie de caderno escolar espiral totalmente manuscrito pela própria cantora, com desenhos de Elifas e fotos de Yolanda Husak. Ao todo, o álbum, que acondiciona o disco, tem oito páginas.
— Escrevo todas as letras que faço em um caderno desses normais. Enquanto gravava uma das faixas, o Elifas chegou no estúdio e tomou conhecimento do meu caderno. Foi um lance genial, pois aproveitou algo bem pessoal, íntimo meu, com um resultado final maravilhoso.
Além de “Mais Uma Boca”, o disco reúne outras nove composições de Fátima: “Aldeia Modelo”, “Traste”,”O Bloco das Mimosas Borboletas”, “Paladar”,”Dancing Cassino”, “Condenados”, “Cheiro do Mato”, “Tanto Que Aprendi de Amor” e “Dor Medonha”. A produção é do golden boy, Renato Correa, com arranjos de Gílson Peranzetta e Eduardo Souto Neto.
— O meu meio de trabalho é a poesia, a palavra. Trabalho em cima das informações que tenho. Meus personagens saem da vida, dos fatos e do comportamento das pessoas. Saem do meu próprio comportamento, dos livros que leio, dos jornais. Tudo é uma ideia a ser desenvolvida. Posso não ter passado pelas situações que descrevo. Mas, os sentimentos existem em mim.
Influências? Fátima cita Dolores Duran, Lupiscínio Rodrigues, Dalva de Oliveira; nomes que conheceu a partir da discoteca da mãe. Dos artistas atuais, lembra Chico Buarque, Gonzaguinha, Milton Nascimento e o grande amigo Aldir Blanc.
— Procuro fazer um trabalho bem pessoal. Uma espécie de mistura dessas duas gerações: a linguagem rasgada, dolorida, ousada dos compositores mais antigos, como Dolores e Lupe, com a música atual. Claro que enfoco também o lado social. Sem falar das influências literárias mesmo, como Machado de Assis, por exemplo.
Ela lamenta que, por não ter idade suficiente, não pode viver de perto o fenômeno Beatles e o Tropicalismo (“é a grande lacuna da minha formação”). Diz que, aos 15 anos, sentiu que não daria para outra coisa na vida “senão compor e cantar”. Na Odeon, encontrou um clima de respeito e liberdade parta trabalhar. E que agora só falta mesmo o show individual que deve acontecer até o fim deste ano.
Além, é óbvio, de enfrentar as feras amanhã.
— Vou encarar o Maracanãzinho que é para tirar o medo. Depois é a vez do show. No ano passado, tinha qualquer coisa programada, mas achei um tanto prematuro. Estava me faltando mesmo uma melhor organização para que eu me apresentasse bem, com produção eficiente, bons músicos e tal. Não é só chegar lá e cantar. Não dá para fazer um show por fazer. Preferi esperar. Mas, agora, já estou sentido necessidade disso porque, a bem da verdade, nem eu mesma sei como me comporto em um palco.