O príncipe Nekliudov é um jovem da nobreza russa que resolve deixar a universidade e voltar para junto de seu povo. Pretende assumir as funções do falecido pai na administração de suas terras.
Em carta, sua amada tia tenta dissuadi-lo da proposta. Aconselha a que ele continue os estudos e se prepare para futuras empreitadas – quem sabe até – nas altas esferas do governo.
Nekliudov responde à amada tia em tom de desabafo. Respeitosamente, também em carta, diz que não poderá ouvi-la desta feita, pois lhe é claro que só construirá a própria felicidade quando fizer feliz a cada um dos colonos que habitam seus domínios.
“Abandono a universidade para me consagrar inteiramente aos camponeses, pois reconheci ter nascido para isso.”
II.
Da teoria à prática, não são mais do que dois capítulos.
No conto “A Manhã de um Senhor”, de Leon Tolstoi (1828/1910), logo o berine está a percorrer suas terras, interessado na solução dos problemas dos mujiques. Estes, por sua vez, demonstram não estar nem um pouco interessado no projeto de felicidade que Nekliudov programou para eles – e que consiste fundamentalmente em trabalhar na terra, dia após dia. Cada um, à sua maneira, tem lá o seu modo de se entender feliz.
A narrativa termina com o jovem a lidar com suas angústias, sem querer dar razão à amada tia. Está descrente, porém, das pessoas e do projeto de felicidade coletiva que idealizou. Até ingenuamente,
Por um momento, ele se imagina um aldeão, livre de responsabilidades outras, senão a de tocar a própria vida.
Sentiu uma indescritível felicidade…
III.
Fecho o livro, e mudo o tempo e o cenário.
Antes, porém, de prosseguir, eu, pecador, me confesso e reconheço.
Não tenho nada além do que li no noticiário para lhes falar da renúncia papal.
Mas, a imagem claudicante de Bento XVI (que a TV transmitiu logo após o anúncio da corajosa decisão) me fez lembrar a história de Tolstoi, escrita em 1906.
IV.
A construção de uma Igreja coesa que enfrente os desafios do Terceiro Milênio parece estar distante do que o Papa entende como ideal.
Ele não se vê como o artífice das transformações pelas quais a Igreja terá que obrigatoriamente passar, disse isso na manhã desta quinta na reunião com os cardeais.
Voltar a ser Joseph Ratzinger é uma atitude tão surpreendente quanto corajosa.
Ele é reconhecidamente um intelectual conservador do pensamento católico que assumiu o Papado em 2005, consciente do árido caminho que deveria ter pela frente
Agora, desconfio, só quer o aldeão que nasceu em uma pequena cidade da Baviera e, à sua maneira e anonimamente, estar mais perto de Deus, a felicidade suprema.
V.
Tocante a frase com que retribuiu os aplausos e as manifestações de carinho de centenas de padres e bispos auxiliares que, pela manhã, o recepcionaram:
"Mesmo me retirando, estarei sempre perto de todos vocês na oração, e vocês estarão perto de mim, apesar de eu estar escondido do mundo."