Agosto de 1954. Era criança – muito criança – quando estourou a notícia, nos rádios e nos jornais, da morte do presidente Getúlio Vargas.
ATV apenas engatinhava – não existia telejornalismo nos moldes que hoje vemos.
Mesmo assim guardo imagens esparsas do burburinho e das conversas dos adultos, alterados pelo inesperado desfecho da crise que o País atravessava. Posso supor que era a primeira vez que os via assim exasperados, sobretudo, pelada preocupação que tinham com o futuro do País e a possível – iminente, para o Tio Nandinho – revolução civil que tomaria as ruas do Cambuci.
A preocupação do meu pai era fazer um bom estoque de alimentos no quartinho dos fundos para uma emergência de a luta se prolongar mais do que o previsto.
Eles tinham vivido experiências amargas em 1924 e, especialmente, 1932 quando a igreja de São Joaquim e Sant’anna, que fica em uma colina nas imediações da rua Lavapés, chegou a ser bombardeada pelas tropas federais que reprimiam os constitucionalistas de São Paulo.
Eu queria não acreditar que aquilo pudesse, um dia, ter acontecido. Mas, meu tio Neno guardava uma série de recortes daqueles idos, quando parte da família precisou fugir para Jundiaí.
Alguns sequer gostavam de tocar no assunto, diante da gente – a filharada.
Aliás, nem sempre o pai, o tio Nandinho, o vô Carlito, o tio Toninho e a italianada do bairro comungavam dos mesmos ideais políticos. Mas, em horas como essa, todos se juntavam para proteger a família e, principalmente, as crianças.
Desconfio que foi aí que, pela primeira vez, ouvi o lema dos mosqueteiros de “um por todos, todos por um”.
Um dos legados dos imigrantes para a metrópole é o que hoje chamamos de sentimento de fraternidade e comunitarismo.
Eles projetavam um futuro melhor para os filhos no País que escolheram como segunda pátria.
Por isso, temiam e queriam o melhor.
Lembrei essa história dos antigamentes quando soube da morte de Hugo Chaves. Óbvio que as devidas proporções precisam – e devem – ser respeitadas. Nem me arvoro a qualquer parecença entre um e outro caudilho.
Vi o povo aturdido nas ruas e me comovem as incertezas que pesam sobre o futuro da Venezuela.
Pode não ter nada a ver. Mas lembrei a história dos antigamentes – e resolvi lhes contar.