— Nando, Nando…
Fazia sua habitual corrida pelas alamedas do Parque do Ibirapuera quando ouviu a voz de uma mulher a lhe chamar.
— Nando, Nando, Nando…
Insistia, ansiosa.
Acontece que ninguém o chamava assim desde tempos idos e havidos.
Num acesso de tradicionalista convicto, o pai resolvera lhe presentear com o nome do avô e, acreditem ou não, desde que se conhecia por gente, atendia pelo nome de Ferdinando.
Ao longo dos anos, já se habituara à confusão que alguns faziam – e lhe chamavam de Fernando. De início, ele até tentava corrigir, mas depois desistia.
Era indiferente: Ferdinando ou Fernando, tanto faz.
Ninguém ousara lhe colocar qualquer apelido.
Se bem que à época do cursinho para a São Francisco, uma deusa de cabelos negros, longos e lisos preferia lhe chamar de Nando.
Era apaixonado por ela. Mas, nunca ousou declarar-se.
Ele entrou entre os primeiros na faculdade do Largo São Francisco, e nunca mais teve notícias da moça.
Chamava-se Sofia.
II.
— Nando, Nando… Nandôôôôô…
Será?
Os gritos eram contínuos e, mesmo às suas costas, não teve mais dúvidas: vinham em sua direção.
Eram com ele mesmo.
Parou, virou-se e deu de cara com a deusa mais linda de tantas quantas já se embrenharam por aquelas matas e trilhas.
Sofia!
III.
Não houve tempo para qualquer pergunta.
Visivelmente entusiasmada com o reencontro, Sofia foi logo se jogando para um abraço fraternal e os beijinhos de costumeiros.
— Quanto tempo? Rapaz, por onde você anda? O que você está fazendo. Conte-me tudo…
Nando/Ferdinando respirou fundo. Procurou atinar as ideias. Ela estava ainda mais linda – e a presença dela o deixava mudo.
Extasiado.
Por muitos anos esperou por esse momento.
— Já vi que continua o mesmo. Tímido que só.
Ele riu da observação e disse que já não era mais assim.
Como magistrado que era, aprendeu a ser o centro das atenções e dar sentenças longas ou curtas, mas sempre objetivas.
— Quer um exemplo? Você está mais linda ainda…
IV.
Foi tão natural, e espontâneo na fala que foi a vez de Sofia calar-se.
Nando/Ferdinando sentiu que a impressionara, e resolveu seguir no conversê.
Falou do curso, do quanto procurou por ela nos primeiros dias de aula; depois, de suas andanças por cidades do interior até assumir uma Vara aqui na Capital. Que estava feliz em vê-la. Que a partir de agora não mais a perderia de vista. Que vinha sempre ali exercitar-se. Que estava solteiro. Que ela estava mais linda ainda, “mas isso eu já disse”…
V.
Enfim, empolgou-se.
Sequer reparou a aliança, grossa e dourada, no dedo anelar da mão esquerda que ela exibia, ainda que timidamente.
Não demorou – e um senhor de ares circunspectos se aproximou de ambos, bufando de cansaço.
— Ufa! Te alcancei. Isso é o que dá casar com uma mulher bem mais jovem que a gente.
A explicação se fazia desnecessária. Assim como a apresentação que se seguiu, com ares de total constrangimento:
— Nando, meu marido Gregório. Gregó, um amigo do tempo do cursinho, o Nando…
VI.
Ela pensou em explicar que, anos atrás, no mesmo Parque, conheceu Gregório por acaso ao confundi-lo com uma antiga e utópica paixão dos tempos do cursinho, mas desistiu.
Ficaria um climão – e nenhum dos três merecia passar por mais esta.
Conversaram por alguns brevíssimos minutos – e logo cada qual seguiu para o seu lado.
Nando e Sofia, resignados com as nuances do destino de cada um. Gregório, a remoer um (in)certo desconforto que não sabia como explicar. Nem queria…