Noite de segunda-feira, fria e garoenta, só mesmo o amigo Escova para pernear pelas ruas mal iluminadas do Sacomã velho-de-guerra até encontrar um boteco mequetrefe, onde pode bater com seus costados e matar a sede, à base de cerveja e steinegher, e a saudade de um tempo que se perdeu nas espirais da memória e das ilusões.
Escova lembra um tempo que era conhecido como o dom Juan das Quebradas dos Mundaréus – e ri gostoso das encrencas amorosas em que se meteu e, justiça se lhe faça, soube sair.
Entre uma golada e outra, imagina rever amigos saudosos que partiram desta para aquela que alguns dizem ser “a melhor”.
“Prefiro ficar mais um tantão por aqui”, diz para si prório.
Esboça um breve sorriso da própria piada, e sorve outro tanto de cerveja gelada que rebate, em seguida, com a quentura do steinegher.
Outros parceiros andam por aí, continua nostálgico em seus pensamentos. Caíram no mundo e vivem, por escolha ou circunstâncias, no confortável mundo dos iguais.
“O tempo é implacável”, diz para o atendente, numa vã tentativa de puxar assunto. Não são dez horas ainda, o bar continua vazio, e o rapaz finge que não ouve, entretido com as imagens toscas da TV antiga. O Jornal Nacional mostra o Brasil de hoje, os feitos da seleção de Felipão, as estradas bloqueadas, a expressão dos políticos…
Escova pede outra cerveja, e se põe a imaginar qual seria o assunto da noite. Quem defenderia o Felipão, quem seria a favor das manifestações. Sempre havia os que eram do contra. Contra tudo e contra todos.
As discussões eram inflamadas. Quase sempre inócuas, pois acabavam em outra rodada e muita gozação. Lembrou o dia em que saíram dali direto para o comício das Diretas na Praça da Sé. Queriam um Brasil melhor – um Brasil de todos os brasileiros, como gostava de dizer um deles.
Bate uma sede danada, com a emoção das lembranças.
— Ô, cumpadre, vê a cerveja aí, rapaz.
E ouve a resposta eivada da contemporaneidade dos nossos dias.
— Fica para amanhã, doutor. Vamos fechar assim que acabar o Jornal Nacional. Sabe como é, né? Medo de assalto…
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Escova é um dos personagens do livro Meus Caros Amigos – Crônicas Sobre Jornalistas, Boêmios e Paixões, publicado em 2010 e que agora está sendo relançado em e-book pela Amazon.com. Trata-se de uma coletânea de crônicas sobre o cotidiano de uma velha redação de tempos idos e vividos, quando o jornalismo viveu uma fase de romantismo e camaradagem. É também – e principalmente – uma homenagem ao grupo de saudosos profissionais de Imprensa, com os quais o autor pode compartilhar momentos inesquecíveis de sonhos e utopias.
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Post de número 1997