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A janela

Dizem que basta uma janela para o cronista confabular sobre o mundo e sua gente.

Que me perdoem os óbvios, mas uma boa janela na vida da gente é fundamental.

II.

Para os da minha geração, a janela nos trazia o mundo.

Víamos o movimento das ruas, as pessoas, os bondes, o tom sépia das luzes que se acendiam ao entardecer. Fiscalizávamos o cotidiano dos vizinhos e avistávamos, ansiosos, o Jardim da Aclimação, onde existia a jóia rara de um campo de futebol gramadinho, gramadinho.

Íamos para a rua e para a vida repletos de sonhos e possibilidades.

III.

Uma geração depois da minha – ou seriam duas? – trocou a janela pela tela da TV (que não deixa de ser uma janela) por morar em prédio, pelo recrudescimento da violência na cidade grande, pela ausência dos pais. O Jardim da Aclimação passou a ser o play ground – que não tem lá tantas magias assim. A TV dominou mentes e corações desse pessoal. Impôs-lhes o tom e a cor da vida.

Lembro de educadores indignados a condenar a longa exposição dos infantes aos malefícios da TV.

Não era uma boa influência, diziam.

No meu tempo, a rua também tinha lá suas armadilhas e perigos.

Enfim…

IV.

A meninada de hoje trocou a TV e a rua pelo tablet e/ou pelo visor do celular.

Também pela emoção dos games.

Para estes, é ali que a vida acontece.

V.

Estava a olhar um grupo de adolescente, ontem mesmo, em uma praça de alimentação. Vestiam agasalhos de algum colégio particular, deviam ter saído das aulas naqueles instantes. Estavam juntos, mas cada um por si. Entretinham-se cada qual com sua engenhoca.

Mal se davam conta do grupo, da turma.

Por vezes, um ou outro fazia algum comentário disperso que se perdia solto no ar, sem resposta. Conectados com as próprias fantasias.

VI.

Por alguma associação esdrúxula, lembrei-me do tempo de garoto. Da atração que a bola de capotão exercia sobre nós, quando quicava diante dos nossos olhos e nos dividíamos em dois times. Duas, seleções, melhor dizendo. Pois, já não éramos o Carlinhos, o Cláudio, o Pelinho, o Nestor, o Orelano, o Betão, o Vaqueta…

O campão da Aclimação virava o Pacaembu (pois, o Morumbi não existia) ou mesmo o Maracanã – e nós nos transformávamos em Luisinho (o Pequeno Polegar), o Rafael, o Mazzola, o Zizinho, o Mauro, o Gilmar e havia até alguns garotos abusados que se imaginavam ser um outro garoto, mirrado, de nome Pelé.

VII.

Os tempos mudaram…

Só os sonhos não envelhecem.

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