Íamos rio-adentro naquele batelão que, em sã consciência, nunca me mimaginaria navegar.
O que será que me deu? Perdi a noão do perigo ou sempre fui um hábil marujo – e nunca me dera conta?
Passamos o encontro das águas, rumo aos igarapés, um dos quais nos levaria ao lugar prometido, mais do que almejado.
Só eu e você.
Inexplicável sensação de juventude rediviva. Olhar penetrante, envolvente. Cabelos revoltos a emoldurar o rosto pequeno, de traços suaves. Fiz menção de lhe dizer que, desde o primeiro momento, entendi que seríamos… eternos.
Você – qual seu nome mesmo? – sorriu um riso breve, convincente. Como a me dizer que o melhor estava por acontecer.
Que eu… Bem, que eu aguardasse!
Entendi que era hora de desligar o motor e tocar a canoa com o remo, pelo sinuoso recorte de água, mata a dentro.
Você parecia saber o caminho. Sem dizer palavra, guiava-me apenas com o olhar e a frágil sedução.
Não me perguntem, amáveis cinco ou seis leitores de sempre, de onde tirei tanta coragem, tanta destreza de navegador experiente a manusear motores, remos e o mistério das águas amazônicas.
Não me perguntem.
Não saberei responder.
Nem teria tempo.
A mochila à minha frente, no chão do barco, começa a tremer a princípio levemente. Depois de forma mais intensa. Chama minha atenção que o balanço se estende para a embarcação que ameaça virar a qualquer momento. Simultaneamente, imagino ouvir uma campainha como se fosse um alarme, estridente e repetitivo.
Estranho. Suas feições continuam serenas, plácidas, como as águas do rio. Como se nada estivesse acontecendo.
Talvez não esteja mesmo.
Mas, o que se passa?
“ALGUÉM ATENDE ESSE TELEFONE!”
Ouço a voz familiar, incisiva e forte, que me tira do topor e, queiramos ou não, me tira da suposta enrascada.
Desperto com o coração acelerado, ofegante.
Você não existe. Não existe rio, barco, o lugar prometido…
Existe o sofá da sala, o telefone e a melhor das lições:
Nunca se recoste em lugar algum, após uma pratada de macarrão em plena tarde de domingo.
Seu sonho mais do que encantado pode se tornar em pesadelo.