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Sonho sonhado

Nas últimas semanas, assombrava-lhe um sonho recorrente.

Ou seria um pesadelo?

O pacato cidadão se via, posto em sossego, na fila de um banco, carregando as contas do mês em um envelope pardo e amarfanhado. Não se sentia alegre. Não se sentia triste. Estava ali para cumprir suas obrigações – e pronto.

Só que à medida que se aproximava do guichê acontecia um empurra-empurra que, inexoravelmente, o arrastava para o último lugar da dita-cuja.

Tentava gritar, esbravejar; mas, a voz não lhe saía. Defendia-se no limite de suas forças. Tudo em vão…

Era o último dos últimos.

Foi assim três ou quatro vezes até que, numa dessas pendengas, acordou assustado, em delírio. Não sabia o que era real, o que era sonho sonhado.

Aos poucos, foi se inteirando do que estava ao redor. O quarto às escuras, os móveis modestos, a réstia de luz pelo desvão da janela entreaberta. Era dia claro, provavelmente com um sol distraído a brilhar lá fora.

Olhou o rádio-relógio.

29 de novembro – 7:45… 7:46… 7:47…

Sentou-se na beira da cama.

Pensou: amanhã é 30 de novembro, vai cair a parte gorda do décimo terceiro. Ufa! Hora de por as contas em dia. Finalmente se livraria dos credores todos.

Lembrou-se do sonho sonhado.

Sentiu-se triste, triste.

De olho no mostrador…

7:48… 7:49…

Entendeu o recado.

Ocorreu-lhe, então, uma ideia tentadora: não pagar ninguém!

7:50…

Levantou-se todo-todo:

“Não quero ser adimplente. Quero é ser feliz.”

E foi pra vida, precisamente às 7 horas e cinquenta e um minutos.

Nem mais, nem menos.

(Convenhamos: para uma sexta-feira, dia internacional da bagaça, é o que há.)

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