A moça me pergunta se sinto falta da redação.
É jovem, tem olhar inquisidor – e faz parte de um grupo de estudantes que apresenta para minhas considerações um projeto de multimídia de Jornalismo que pretendem (ela e o grupo) desenvolver como trabalho de conclusão de curso.
Sou o professor-orientador e, desconfio, me entusiasmo no detalhamento da grande pauta (no fundo, todo projeto em jornalismo é uma grande pauta) e na valorização da reportagem como essência do nosso trabalho, como profissionais de Imprensa.
É bem provável que eu fale com certo tom nostálgico (nostalgia é lembrar docemente) – e isso faz com que a pergunta da aluna seja inevitável.
– Você sente falta do dia a dia da redação?
Não sinto falta da redação, respondo de imediato e, confesso, sem pensar.
E completo:
“O que senti falta, em determinado período da minha vida, foi de escrever.”
II.
Ela parece ter gostado do que eu lhe disse. Fez uma expressão de surpresa, e aprovação:
– Que legal o que você disse.
Talvez por isso me senti na obrigação de acrescentar:
“Nas redações – como em quase tudo na vida -, temos prazo de validade. Uns mais, outros menos. Dos meus 40 anos de vida profissional, quase 30 vivi dentro de uma redação. Hoje, o blog e os livros compensam o espaço daquela lida,”
Tento concluir:
“A rotina das redações é pesada, desgastante.”
III.
A estudante lembra-se de uma palestra que assistiu nos tempos do cursinho em que o convidado, também jornalista, traçou o perfil do jornalista como o de um aventureiro. Chegou a dizer que “não havia um dia igual ao outro no jornalismo”.
Não e sim, tento remendar:
“Foi mais uma figura de linguagem. No fundo, o processo de produção de notícias funciona hoje como as engrenagens de uma linha de montagem”.
Ela ri, e diz
“É só ver quanto pessoal trabalha nesse modelo maluco da informação em tempo real.”
Sempre foi assim, digo. Talvez hoje exageremos na pressa. Mas, em qualquer época, o profissional trabalhou muito. Só que, quando estamos envolvidos, com esse processo, nem nos damos conta do corre-corre, da pressão, da loucura que é.
IV.
Tento voltar à explicação do projeto (afinal, é este o motivo da consultoria), mas a curiosa faz outra pergunta (vai ser boa jornalista, sem dúvida):
– Professor, vai dizer que não sente saudade?
“Saudade, eu tenho do meu pai, dos shows da Elis, de pesar 15 quilos a menos e de jogar futebol com 15 quilos a menos. E está encerrada a consultoria.”