Sessenta anos do suicídio de Getúlio Vargas em agosto – e lá vem os estudantes de jornalismo, microfone em punho, para me entrevistar sobre os fatos e os políticos da época e a repercussão para a história contemporânea do Brasil.
Tento me esquivar.
Me entrego logo: não sou especialista no assunto. O que sei está nos livros que li (destaco dois deles: “Getúlio”, de Lira Netto, e “Quem Matou Getúlio Vargas”, de Carlos Heitor Cony), nas histórias que ouvi do pai e dos seus amigos (que se dividiam em ‘adhemaristas’ e ‘janistas’) e no filme que assisti dia desses – e que ainda permanece em cartaz.
II.
Abro aqui um parêntese:
Embora Toni Ramos tenha um desempenho brilhante como protagonista, é impossível ver Getúlio em cena. Por força do hábito, creio, vemos o sempre notável Toni Ramos interpretando magistralmente o presidente Getúlio Vargas.
Não sei se cabe a observação, mas está feita.
Fecho parêntese, e volto aos jovens.
III.
Eles insistem.
Querem porque querem que eu dê o depoimento.
Têm a locação do equipamento só para hoje, então…
Nada como ter cabelos brancos e ralos para passar a imagem de que se vive desde prisca era.
Sou – imaginam – um highlander.
IV.
Puxo pela memória.
Lembro-me que, quando comecei no jornalismo – nos idos de 1974 –, meu primeiro chefe, o Tonico Marques, gostava de descrever como ele e sua turma do Notícias de Hoje (jornal do Partido Comunista) viveram aquele dias após a morte de Vargas.
Posso lhes passar o relato que ouvi várias vezes, com interesse e algum deslumbramento.
Interessa?
V.
Pois vamos lá.
Ao saber do suicídio, os comunas de São Paulo trabalharam rapidamente numa edição extra de página única, frente e verso. Saíram às ruas e a distribuíram para as pessoas de mão e mão. Os mais ousados – o Marques entre esses – subiam até o último andar dos prédios e, do alto, lançavam uma verdadeira “chuva de notícias”.
Valia mesmo a manchete:
“QUE O POVO SAIA AS RUAS E TOME
PARA SI O DESTINO DA PÁTRIA”
VI.
“Ótimo”, me diz a jovem entrevistadora.
“É por aí mesmo!”
Topei a empreitada. Em seguida, eles se põem a montar a parafernália de equipamentos para gravar a entrevista em vídeo.
Todos a postos.
Ainda ouço alguém da equipe perguntar:
– É importante que ele tenha vivido naquela época.
VII.
Luz, câmera, ação…
Lá vem a primeira pergunta:
– Professor, qual a principal lembrança que o senhor tem daquele trágico 24 de agosto de 1954?
Olho firmemente para a lente, assumo ares de importância, e não deixo pedra sobre pedra:
– Do alto dos meus três anos de idade, lembro-me que…