Antenor olhou ao redor. Viu os rostos contristados daquelas pessoas que, sentados em cadeiras antigas, formavam um círculo. Ora um, ora outro tomava a palavra e dava um depoimento sincero.
Não seria justo, pensou Antenor. Não seria justo mentir para eles e para o próprio Antenor que, nesta vida, pode ter todos os defeitos possíveis e imagináveis; mas, mentiroso, nunca foi.
Por isso, pacientemente, aguardou sua vez de falar.
Mas, quando falou, foi firme, convicto. Não emitiu nenhum juízo de valor, apenas foi franco:
“Motivos pessoais me levam a deixar esse grupo. Agradeço a todos os que apoiaram e se empenharam em tentar me fazer um de vocês. Reconheço que esta força, essa dedicação me foram da maior importância.
Quero dizer que respeito a todos.
Não tenho absolutamente nada contra ninguém.
Entendo apenas que a maneira de ver a vida deste grupo não reflete o que penso e sinto.
É uma postura pessoal.
Estou saindo, mas a amizade continua.
Sucesso a todos”.
Dito isso, Antenor se retirou, sem olhar para trás, do salão da paróquia que abrigava aquele grupo dos Alcoólicos Anônimos.
II.
Patito era tido e havido como o maior conhecedor de cachaça de toda a região do Triângulo Mineiro e aquelas beiras de Goiás.
Sua fama era regional, mas o paladar de Patito era capaz de reconhecer, à primeira golada, a origem da bebida mesmo que fosse dos confins do rincão brasileiro.
Impressionante!
– Essa é do Piauí.
– Essa é mineira, uai!
– Oxente, essa é do sertão de Pernambuco.
– Essa é a Tatuzinho, de Piracicaba, interior de São Paulo. Quer que eu cante a musiquinha da propaganda?
“Ai tatu, tatuzinho… Me abre a garrafa e me dá um pouquinho. Miam, miam, miam, miam”.
O cara era mesmo uma fera, mas já estava ficando metido a besta com todo esse conhecimento. Logo, começaram as rusgas com os próprios amigos. Que, para dar uma lição em Patito, encheram de água uma garrafa, colocaram um rótulo falso e desafiaram Patito a descobrir de onde vinha a ‘marvada’.
– Mas, só se for agora, disse Patito.
Deu a primeira golada, estalou a língua, segurou a ‘bichinha’ no céu da boca, engoliu e empacou.
– Tá difícil, mas vamos lá. Outro gole.
Repetiu o cerimonial, caprichou no bochecho, uns segundos a mais, e… nada.
O pessoal caiu na gargalhada, e resolveu acabar com a farsa.
– É água, Patito. Enchemos a garrafa de água para acabar com a sua prosa, entendeu?
E Patito, perplexo:
– Jura, então, isso que é água? É como diz o compadre: vivendo e aprendendo…