Aconteceu o que eu mais temia.
Inevitável os pitacos do amigo Escova sobre a crônica que ontem escrevi sobre os gorjeios dos sabiás laranjeiras nos bairros de São Paulo.
Os pássaros – como disse reportagem da Globo e eu comentei – cantam cada vez mais cedo, em meio à madrugada, para escapar aos ruídos da cidade grande e assim atrair a pássara amada para o seu galho.
Quem conhece o Escova, como eu e meus amáveis cinco ou seis leitores, sabem bem que o pilantra (ele é pilantra, mas é meu amigo) não perderia a chance.
Pois então… Quando o telefone tocou no meio da noite de ontem, justo quando ao pessoal do Boa Noite Fox falava do meu Palmeiras, entendi logo que era ele – e me preparei para ouvir suas histórias.
Escova começou elogiando o destaque que dei ao tema:
– O amor em primeiro lugar. Sempre.
– Menos Escova, menos. Apenas comentei uma reportagem que vi na TV e que mostra o quanto há de vida mesmo em uma cidade tão confusa e cinza quanto São Paulo.
– São coisas que não vemos e que acontece diante de nós, completou o amigo.
– É por aí, Escova – eu disse. – Que bom que você gostou.
– Não só gostei como me fez rememorar os velhos tempos em que era conhecido como o Dom Juan das Quebradas do Sacomã. Lembra?
– Lembrar eu lembro, amigo. Mas, vamos deixar o passado no passado. Afinal este é um Blog família e as suas trampolinagens não é coisa pra se contar com orgulho.
– Deixe de bobagem, campeão. O que passou passou, é fato. Mas bom demais lembrar.
Pronto. O cara me deixou curioso a ponto de soltar um desnecessário “lembrar o quê”.
– Ora, meu caro. Você sabe que eu era bom na coisa. Tanto que não exagero dizer que os sabiás nada nada copiaram um estilo que adotei em idos tempos – e só parei porque o noivo da moça resolveu dar uma incerta nas primeiras horas da
manhã na casa da prometida.
– Como assim, Escova? Não entendi.
– Eu saía do jornal três, quatro da manhã – o horário que os pássaros fazem a cantoria, que coincidência! – e passava no apartamento da moça (que morava sozinha). Se a luz estivesse acesa, eu podia subir na boa que era só “love, love, love”. O porteiro sabia do nosso esquema e colaborava sem qualquer bronca. O amor na aurora de um novo dia,posso lhe garantir, é mais poético…
– Não acredito!
– Pode acreditar. Só não dou o nome da moça pra você tirar a prova porque sou um cavalheiro e ela acabou casando com o príncipe que quase nos deu um fragrante naquela ensolarada manhã. Foi por pouco. O porteiro disparou o interfone e eu fui me esconder dentro do box do banheiro.
– Que perigo!
– É como diz o Nélson Rodrigues: se você não tiver sorte na vida, você não chega do outro lado da rua.
Bem adequada a lembrança de Nélson Rodrigues para justificar as peripécias do Escova, desde sempre um inveterado tico-tico no fubá.