– Peralá, professor, vamos esquecer um tantinho a aula de hoje. A gente queria saber um pouco da sua história como jornalista…
Não entendi, a princípio, a observação do estudante, porta-voz de meia dúzia de garotos com quem me encontraria na manhã de hoje para discutirmos a apresentação do grupo na banca do trabalho de conclusão de curso no início de
dezembro.
II.
– Como assim?
Sou devagar para entender (in)certas coisas.
Preciso de um tempo, ou de maia detalhes.
Desconfio que ele entende o meu silêncio, e continua:
— É que já estamos com um pé fora da Universidade e o que nos incomoda agora são os próximos passos, o mercado de trabalho, os desafios que enfrentaremos fora dos muros da universidade, essas coisas. Seria legal ouvir um pouco da sua experiência profissional.
Acho bacana o interesse da garotada pela minha trajetória. Mas tento escapar do enrosco que é falar de mim mesmo (embora, nesse Blog, seja quase inevitável) e digo a eles que sou jornalista de priscas eras, um velho repórter vira-lata, uma espécie em extinção… Vivia mais na rua do que propriamente na redação. Hoje a coisa não funciona exatamente assim, na maioria das vezes.
Além do que, nunca fui Prêmio Esso, nunca trabalhei na Globo, não sou modelo pra nada, pra ninguém.
III.
– Por que o senhor escolheu cursar jornalismo?
Quem disse que eles desistem?
Sem me dar conta, entro no jogo deles:
– Como a maioria dos jovens um tanto mais sonhador que pragmático, eu não sabia exatamente o que cursar. Naquele tempo, parecia haver unicamente três faculdades: Medicina, Engenharia e Direito. Como não me via em nenhuma das três carreiras, preferi cursar algo na área de Humanidades. Fiz o cursinho, de início, sem saber exatamente o que queria. Aí fiquei conhecendo a tal área da Comunicação, que incluía rádio/TV, jornalismo, publicidade, relações públicas… E decidi que era por aí que iria.
Olha eu me estendendo na resposta, e já caindo na arapuca:
– Até meados dos anos 70, um pouco mais talvez, o aluno ingressante não escolhia a habilitação. Se passasse no vestibular, cursaria dois anos de conteúdo comum na Comunicação e só no terceiro ano fazia a opção para esta ou aquela profissão. No convívio com o dia a dia acadêmico na ECA/USP, o Jornalismo me pareceu o caminho natural. Mas, nem sei lhe dizer como se deu a escolha. Talvez porque gostasse de escrever…
IV.
Enquanto falo, percebo a atenção da rapaziada. E, milagre, ninguém mexe no celular. Alguns levantam uma das mãos, sinalizam que gostariam de fazer perguntas… Que jorram nos instantes seguintes:
– Em que jornais o senhor trabalhou?
– Qual foi a sua melhor reportagem?
– Qual a entrevista mais interessante?
– Você cobriu algum fato histórico?
– Teve alguma história divertida em meio a uma reportagem?
– Correu risco de vida ao fazer uma matéria?
– Lembra qual a primeira entrevista que fez?
– Como foi o primeiro dia dentro de uma redação de jornal, o senhor lembra?
– E o último?
– O senhor teve alguma reportagem censurada?
– Era mais difícil trabalhar nesse tempo?
– O senhor conheceu algum censor?
(Meu Deus, de onde vem tanta curiosidade? Me pergunto. E, silenciosamente, respondo a mim mesmo: são jornalistas, afinal.)
V.
Respondi a eles e, prometo a vocês, faço um resumão do que disse a partir de amanhã.
Já escrevi demais por hoje…