Respondo à Juliana L., que tem vinte e poucos anos, cabelos encaracolados e é apaixonada por música popular brasileira.
– Eu nasci em época errada – ela me diz.
Juliana quer “entender melhor” a letra de “BR-3”, música vencedora da fase nacional do Festival Internacional da Canção, no longínquo ano de 1970.
Desconfio que por essa época os pais de Juliana L. sequer se conheciam.
Mas, vamos à resposta.
II.
“BR-3” flerta com a ascensão da soul-music no Brasil e, em seus versos, tenta rastrear um tanto das questões existenciais que, direta ou indiretamente, marcaram aquela geração (da qual, faço parte).
No livro Solar da Fossa, o autor e jornalista Toninho Vaz explica:
“Em outubro, aconteceu no Rio a quinta versão do FIC, ainda realizado no Maracanãzinho, mas sem o vigor e o prestígio de antes. Num país abalado pelos embates políticos e o prestígio cultural, Tony Tornado consagrou-se com “BR-3”, de Antônio Adolfo e Tibério Gaspar. A música se fazia acompanhar da mística de que, influenciada pelas tragédias de Jimi Hendrix e Janis Joplin, mortos por overdose, falava de drogas e seringas – versão que os autores negaram. Algumas pessoas viam na “BR-3” a veia principal do braço, também conhecida como o fim da picada”.
Diz a letra:
“A gente corre na BR-3
E a gente morre na BR-3
…
Há um foguete rasgando o céu
Cruzando o espaço
E um Jesus Cristo feito em aço
Crucificado outra vez.”
III.
Vale lembrar que vivíamos um período nebuloso, de ditadura militar, de restrições às liberdades individuais e de implacável censura.
Nada poderia se dizer assim abertamente.
Daí, as alegorias e referências.
IV.
Outro ponto importante: a trepidante apresentação de Toni Tornado e do Trio Ternura, todos no melhor estilo black-power. Tornado incendiou a plateia com um frenético gingado e piruetas desconcertantes, inspirados nos passos da soul-music americana.
O Maracanãzinho, surpreso, foi ao delírio, e chancelou a vitória da canção. Em segundo lugar, ficou “O Amor É Meu País”, de Ivan Lins e Ronaldo Monteiro, e em terceiro lugar veio Taiguara, com a belíssima “Universo No Teu Corpo”.
Confesso que esta canção era a minha preferida.
V.
Não quero botar banca, não, Ju.
Mas, preciso lhe dizer (até para arredondar o texto):
Nasci na época certa!