Recolho essa lenda mapuche na minha estada em Pucon, no Chile, no início deste ano.
É sobre a origem de uma linda flor de pétalas amarelas, com bordas vermelhas, de nome Amancay.
Aviso logo: é uma história triste…
(…)
Lá no mais antigo dos anos, havia um casal de jovens mapuches que se amavam – e como se amavam!
Na aldeia, todos saudavam a beleza daquele sentimento. Logo se faria o casamento dentro das tradições daquele povo-guerreiro e livre que resistiu, às últimas consequências, a invasão dos europeus – e, ao seu modo, ainda resiste pelo que pude ver em visitas a alguns pequenos núcleos.
Naqueles confins do Chile, entre lagos, vulcões, caminhos sinuosos e campos recheados de flores multicoloridas, seriam felizes e preservariam a continuidade da raça.
Um infausto acontecimento, porém, mudou os planos e toldou aquele céu azul antes mesmo que o inverno chegasse.
O rapaz contraiu uma doença misteriosa, e passou a definhar dia a dia.
Nem com toda a pajelança da aldeia, as ervas medicinais e as orações – nada conseguia aplacar o mal que o acometia.
Seu estado era desesperador.
Foi quando, vindo do outro lado da cordilheira, surgiu um eremita com fama de curador que, ao chegar à aldeia, foi logo consultado sobre como poderia ajudar o desenganado rapaz.
O homem foi até o doente – e não demorou mais do que alguns minutos para dar o seu parecer.
Todo esse sofrimento seria dizimado se o jovem guerreiro tomasse o chá feito com as folhas de uma linda flor amarela, natural daquela região – o amancay.
Mas, precisariam agir rápido, pois o estado do rapaz era crítico.
Só um detalhe: essas flores só nasciam no alto das mais altas montanhas, junto às cachoeiras, e nem os mais ousados se aventurariam a enfrentar os perigos da escalada.
A apaixonada noiva, no entanto, topou o desafio.
O amor de ambos era maior que qualquer risco que pudesse enfrentar.
E lá se foi ela, pedra a pedra, escalando o rochedo, desviando da força da água, até que finalmente encontrou a flor.
Esticou o braço para tocá-la …
– Por que quer arrancar deste lugar sagrado algo que não lhe pertence?
II.
A voz, vinda do alto da montanha, aterrorizou a moça, e congelou o gesto.
Era um enorme condor, senhor de todos os céus e picos naqueles parques, a lhe fazer a reprimenda em tom ameaçador.
Mesmo assustada, a jovem não se fez de rogada. Contou, entre lágrimas, o drama que lhe afligia e motivo de tamanho arroubo.
Precisava daquela planta para salvar a vida do homem que amava.
– Mas, então, em nome dos meus domínios, sou obrigado a lhe propor uma troca – disse o condor.
E continuou, fascinado pela beleza da moça e enraivecido de ciúmes:
– Se você retirar a flor do seu lugar, terá que deixar aqui o próprio coração.
A jovem mapuche não vacilou. Arrancou a flor com uma das mãos no mesmo instante em que as garras do condor lhe arrancava o coração.
Foi inapelável a queda da jovem e águas cristalinas daquele rio ficaram manchadas pelo sangue daquele vão sacrifício.
Antes que a triste notícia chegasse ao lugarejo, o rapaz também morreu.
Todos na aldeia ficaram desolados com as perdas
(…)
Quando raiou a primavera, os índios mapuches tiveram uma surpresa, quase uma recompensa. Pelos campos, nos arredores das margens do rio, surgiram centenas e centenas de amancays. Lindas, viçosas…
Espalharam-se desde então naquele rincão ao alcance de todos – e não mais unicamente em pontos distantes, no alto das cachoeiras.
Logo os mapuches reparam que as vibrantes pétalas amarelas, agora exibiam gotículas e filetes nas bordas em tons grenás. Todos entenderam que tal fenômeno foi uma forma da Mãe-Natureza eternizar o amor dos jovens mapuches que, de alguma forma, permanece vivo naquele lindo canto do mundo.