(…)
Na primeira noite eles se aproximam
E roubam uma flor
Do nosso jardim.
Na segunda noite, já não se escondem;
Pisam as flores, matam nosso cão
E não dizemos nada.
Até que um dia,
O mais frágil deles
Entra sozinho em nossa casa,
Rouba-nos a luz, e,
Conhecendo nosso medo,
Arranca-nos a voz da garganta.
E já não podemos dizer nada
(…)
Nos tempos de estudante, na Universidade de São Paulo, vivíamos um dos períodos mais austeros do arbítrio – meados dos anos 70. Tragicamente, o ápice desta repressão, ouso dizer, se deu com o assassinato, nos porões do DOI/CODI, do professor e jornalista Vladimir Herzog, em outubro de 1975.
Já lhes disse, aqui, neste modesto Blog, que soube da morte do meu então professor num sábado à noite, em pleno Teatro Aquarius (sim, existia em São Paulo um teatro com esse nome, que prospectava uma nova era de paz e amor). Assistia ao espetáculo ‘Brasileiro Profissão Esperança’, de Vianinha, quando os atores em cena, Paulo Gracindo e a cantora Clara Nunes, pararam a trama para anunciar a plateia a tragédia mais do que anunciada…
Especialmente para mim (que nunca fui herói, diga-se), foi quando se fez as trevas mais lúgubres daqueles infelizes tempos ditatoriais.
O tempo que não para no porto, não apita na curva, não espera ninguém, passou…
De alguma forma, o Brasil redemocratizou-se. Não chegou a ser a almejada nação justa e solidária que se esperava, mas, de alguma forma, até por caminhos sinuosos e íngremes, nos fez entender que aquelas eram turvas águas passadas que não mais moveriam o moinho de nossas vidas.
E, cá estamos, diante de um grande impasse institucional, com arroubos e exageros de todos os lados.
Peço que não mergulhem nesse poço sem fundo que nos rouba a perspectiva de que tenhamos, em curto prazo, a luz do sol como guia.
Não sei se serei ouvido.
É provável que, antes de qualquer resposta (que não lhes darei), me perguntem de que lado estou.
Talvez lhes diga, sim, do belo momento que ontem vivi ao lado dos estudantes de Jornalismo da Universidade Metodista de São Paulo que, por iniciativa do Centro Acadêmico Inês Etienne Romeu, realizou uma roda de debate sobre o atual momento político brasileiro. Na mais completa paz, com pleno respeito à opinião divergente.
Todos que quiseram falar falaram.
Todos se dispuseram a ouvir. E a refletir sobre quais caminhos, juntos, podemos seguir.
Por isso, e por inspiração dessa turma, abri o texto de hoje com um trecho da poesia de Maiakóviski (confesso, não sei se é verdadeiramente dele) que tanto ouvíamos naqueles idos e vividos anos de opressão e resistência.
Torço para que não voltem.
Mas, se voltarem, e se for preciso, estamos aí…
Ainda somos brasileiros, e nossa vocação/profissão é a esperança.