Olhem a provocação do amigo que encontro, logo cedo, antes da aula das sete e meia:
– Lembra a coluna do Nélson Rodrigues? Se não me engano, toda as segundas ele reverenciava alguém sob o ‘chapéu’ de o “Meu personagem da semana”. Lembra-se disso?
Lembro, claro. O amigo sabe que adoro crônicas e cronistas e sempre me enriquece ler alguns nomes que marcaram o gênero no jornalismo brasileiro. Rubem Braga, principalmente. Mas, tantos mais como Fernando Sabino, Lourenço Diaféria, Paulo Mendes Campos, Antônio Maria, Stanislaw Ponte Preta, o próprio e magnífico Nélson Rodrigues e muitos outros.
– Então, cara, vou lhe fazer uma provocação, diz o amigo. – Se tivesse que escolher um personagem desta atribulada semana, quem você escolheria: a Dilma ou o Michel Temer?
II.
Temer?
Toc, toc, toc…
Bato na madeira e esconjuro.
III.
Também não sei se falaria de Dilma.
Tenho o maior respeito por ela. Uma mulher digna, batalhadora, determinada. Cometeu equívocos à frente de seu segundo governo (que já não cabe mais aqui destacá-los). Mas, pagou um preço altíssimo, “exagerado” (como cravou o New York Times ontem em editorial).
Ela foi precisa em um dos trechos de sua fala de ontem:
“Posso ter cometido erros, mas não cometi crimes. Não tenho contas no Exterior, nunca recebi propina, jamais compactuei com a corrupção. Eu já sofri a dor invisível da tortura, aflitiva da doença e, agora, sofro mais uma vez a dor inominável da injustiça. O que mais dói nesse momento é perceber que estou sendo vítima de uma farsa jurídica e política.”
Dou-lhe total razão, mas…
IV.
O amigo me sugere escrever sobre Lula e o abatimento do ex-presidente.
Também o tenho em alta conta.
É outro que vem sendo bombardeado pelo preconceito, pela intolerância e pelo ódio adormecido da Casa Grande e de seus asseclas, que hoje se vingam pelas sucessivas derrotas nas urnas que ele lhes impôs.
Mesmo assim, não o teria como meu personagem de hoje.
V.
Quem seria então?
Penso que seria bom que fosse a Esperança, aquela “que vive no alto décimo segundo andar do Ano” (no dizer do poeta Quintana, o meu preferido) e que se renova a cada manhã…
Queria tanto que fosse ela, a Esperança, “meninazinha de olhos verdes”. Mas ando tão desalentado que entrego ao vazio os sonhos de um País contemporâneo e socialmente mais justo.
Desculpem a bronca, mas por hoje é assim.
Estamos no oco do mundo.
*Leiam também o bom artigo de J.P.Cuenca na Folha de hoje: “Apenas o começo”.