Conversávamos sobre os dias que correm. As pequenas e grandes tragédias, as incertezas, a insegurança que se abate em cada um de nós.
Não falamos sobre as Olimpíadas, pois as tais não seduzem. Nem a mim, nem a ela.
A moça lembrou-se de um post que escrevi sobre Nice, a cidade francesa recentemente dilacerada pelo terror (“Relatos de um viajante parvo 10”, em 15 de fevereiro de 2013) e me perguntou se ainda cogitava ali morar um dia.
Não soube o que lhe responder.
Esses meus devaneios são gratuitos – e, assim como chegam em um dia, se vão em outro.
Sou mesmo um viajante parvo, reitero.
II.
Ando pessimista.
E lhe falo do meu abatimento, de minha descrença com relação aos tempos vindouros, os que estão por vir.
Não vejo luz no fim do túnel. Apenas o trem em desabalada carreira em nossa direção.
Ela ri – mas, não desgruda do celular.
Imagino, cabe ali, na engenhoca, o não tão admirável mundo novo.
III.
Houve um tempo em que não havia celulares, nem redes sociais.
Mas, acreditem: era possível sonhar.
Eu lhe disse a frase sem grande convicção.
Tentei historiar.
Dar o contexto e motivos que me fazem, ainda que ingenuamente, assim pensar.
Sou da geração pós-guerra. A geração sanduíche, como dizia o mago Raulzito. Crescemos, eu e os meus contemporâneos, ouvindo rock, Beatles, Rolling Stones, derrubando tabus e algumas convenções.
IV.
Acreditávamos estar no caminho certo.
O não à guerra do Vietnã.
Woodstock.
Os hippies.
O sexo livre.
A filosofia paz e amor.
No Brasil, vivemos a redemocratização, o fim da censura, a anistia, as Diretas, a Constituição, a reconquista do direito à democracia e à cidadania.
V.
Havia um sonho, repeti. Um sonho possível, ao nosso alcance.
Para onde foi a utopia de uma sociedade fraterna, igualitária, socialmente mais justa? Uma sociedade de todos os viventes.
Falei, e falei e falei…
Quando dei por mim, e olhei minha jovem interlocutora, ela parecia ausente. Olhos fixos no visor do celular, dedos ágeis no mini teclado, a encaminhar algum zap-zap sei lá pra quem.
VI.
Não perdeu a pose diante do flagrante. Sacudiu os ombros, e sapecou, convicta do que dizia:
– Pois, para mim, o mundo sempre foi assim. Nunca o vi de outra forma.
Recordei a velha máxima que se dizia na redação de piso assoalhado e grandes janelas para a rua Bom Pastor – “Todo lugar é o mesmo lugar” – e dei a razão à moça.