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O Amigo do Povo

Raramente nos damos conta quando a História (assim mesmo com agá maiúsculo) se revela aos nossos olhos.

Distraído e aparvalhado do jeito que sou, imagino agora, ao receber a notícia da morte do arcebispo Dom Paulo Evaristo Arns, quantas vezes, por força da minha profissão, não estive ali, feito um Forest Gump, a tropeçar em fatos e pessoas que lapidaram, para a posteridade, os contornos das nossas vidas. Nós, os nascidos em Terra Brasilis.

II.

Entrevistei Raulzito, Elis, Ulysses, Montoro, Plínio Marcos, Covas, entre outros tantos e tamanhos.

Conversei com Telê Santana, junto ao alambrado do campo de futebol do Clube Atlético Ypiranga em uma festa de fim de ano da Aceesp – Associação dos Cronistas Esportivos do Estado de São Paulo.

Cobri as manifestações em São Paulo pelas Diretas-Já.

Também estava no cortejo fúnebre de Tancredo Neves em meio a uma multidão de pessoas que seguia freneticamente o caminhão dos bombeiros pelas ruas e avenidas de São Paulo.

Fiz a manchete da edição que tratou da morte do ídolo de todos, Ayrton Senna:

“Nós que lhe amávamos tanto”.

III.

Por que lhes conto essas coisas?

Explico.

(Ou tento explicar)

Para um repórter vira-lata como fui (e imagino que, em essência, sempre continuarei sendo), até que não foi de todo mal essa minha modesta trajetória. Para lhes dizer a verdade mesmo é que, em meio à correria dos fechamentos dos jornais, nunca me dei conta da grandeza do momento que vivia como testemunha ocular da história.

Uma única vez, creio, me dei conta dessa dimensão.

Foi no dia em que ouvi de Dom Paulo Evaristo Arns a descrição de como se deu a preparação do ato ecumênico em que se reverenciou a memória do jornalista Vladimir Herzog (que ocorreu em outubro de 1975, na Catedral da Sé).

Estávamos há alguns bons anos daquele triste fato e, mesmo assim, em meio à palestra que proferia, Dom Paulo foi instado a falar da sua corajosa participação naquela cena que decretou o começo do fim da ditadura que se arrastava por onze anos.

IV.

Mesmo naquela manhã, sem alterar a fala mansa e prudente, Dom Paulo era todo indignação contra os que oprimem e violentam a existência das nossas gentes, da nossa Nação.

Suas palavras emanavam amor e ternura. Amor a Deus – e, por meio deste sentimento, estendia amor e ternura a um Brasil verdadeiramente de todos os brasileiros.

V.

Em determinado momento da cerimônia, o repórter-fotográfico Robson Fernandjes chamou minha atenção para uma réstia de luz azulada que trespassava os vitrais da igreja do antigo Seminário do Ipiranga e banhava a doce figura do arcebispo.

“O homem é um santo”, disse o Robson antes de tentar registrar a imagem para a posteridade.

Como não tenho lá esse dom de enxergar além do que vejo, olhei para Dom Paulo e vi ali um homem justo, compromissado com o povo mais humilde e que mudou a História deste País.

Vi ali o Amigo do Povo.

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