Rio de Janeiro, 21/06/1839 – Nasce Machado de Assis, o mais expressivo escritor da nossa Literatura brasileira. Jornalista, contista, cronista, romancista, teatrólogo e poeta. Aproveito a dica da página inicial do Google (que lembrou Machado) para registrar minha admiração e reverência a este notável brasileiro. Nesse sentido, replico hoje a crônica “Somos Todos Rubião” que escrevi em 10 de setembro de 2007, publicada no livro “Volteios – Crônicas, lembranças e devaneios”.
(…)
Como lhes explicar?
Sei que Rubião, Sofia, Palha, Carlos Maria, Dona Fernanda, Maria Benedita, o major, Camacho e o cão a quem o dono lhe deu o próprio nome antes de ir-se desta para melhor, Quincas Borba – pois todos eles estão a instar-me uma melhor compreensão de seus atos e do que o destino lhes reservou.
Pergunto-me, com alguma apreensão, se essas inquietações são deles ou estão em mim e urgem respostas?
Vá saber…
II.
É a terceira vez que repasso a obra (Quincas Borba). A primeira que a coloco num patamar de igualdade a Memórias Póstumas de Brás Cubas – onde, aliás, surge o andarilho Quincas Borba – e Dom Casmurro, um de meus romances preferidos.
Aos 15/16 anos, apanhei o livro, de capa dura e verde, na estante da Biblioteca Municipal do Ipiranga. Da narrativa, ficou-me, por motivos óbvios, o perigoso jogo de sedução da bela Sofia a endoidecer os convivas das noites dançantes, o desarvorado Rubião e a mim próprio que, como meus leitores bem sabem, tenho uma inequívoca tendência a ficar imaginando coisas.
Naquela idade, então…
Ombros nus, decotes ousados, “era a mais esbelta das mulheres da Corte”.
Todas as mulheres tomaram formas e trejeitos de Sofia a esgrimir o sim e o não e a divertir-se diante de corações dilacerados pela dúvida.
Registro histórico: achei a personagem parecidíssima com uma certa Ligia que não me saía da cabeça…
III.
Mas, saltemos essa fase de amores primeiros.
Lá pelos 30, quando descobri Fernando Sabino – outro autor decisivo na minha formação –, dei de tornar a ler Machado. Naquela ocasião, não me importou tanto a beleza de Sofia, nem os infortúnios de Rubião. Mas, sim, o proceder velhaco e oportunista de Palha, o venturoso marido de Sofia. Ele negociava com os encantos da mulher. Fartava-se em exibi-la em público, permitia que aventureiros a cortejassem e, muitas vezes, chegassem a situações limites. Tudo para abrir espaços entre os nobres e os ricos.
Usou do fascínio que a moça inspirava em Rubião para tomar-lhe empréstimos que, ao que consta no livro, nunca quitou, e outras benesses financeiras.
Estávamos no Brasil dos estertores da ditadura, a questão ética era soberana. Creio que me deixei levar pelo tom épico do momento.
IV.
A leitura do fim de semana foi ótima. Sofia continua lindíssima, uma princesa – e perigosa. Palha confirmou-se como um velhaco aproveitador e Rubião, um desafortunado. O livro prova isto por a + b. No entanto, nunca antes me veio a ideia de como os homens se parecem com Rubião – para tanto, basta apaixonarem-se. Se veem, então, como reféns de um sonho por vezes tão próximo de se realizar. Uma realidade quase sempre inverossímil aos olhos da amada que, à moda de Sofia, conduz com maestria o jogo dos amores e da vida.
Não sei quem ganha e quem perde, quem ri e quem chora. Na ficção e na vida real. Não me apraz entrar em juízos de valor. Também não vou além, pois temo lhes estragar o prazer dessa leitura, caso queiram retomar a notável obra de Machado de Assis. Em todo caso, encerro à moda do filósofo que morre antes, mas perpassa por todo o livro a única verdade inexorável.
“Ao vencedor, as batatas. ”
Além do que, mesmo numa modorrenta segunda-feira, não é demais ficar atento:
“Filosofia é uma coisa. Morrer de verdade é outra”.