Dê-me uma janela e lhe direi se o tipo é ou não um cronista.
Pode ser uma varanda ou mesmo um lugar qualquer de onde se possa vislumbrar, à distância, algum ponto de remanso; a cidade, o campo, as montanhas, o mar…
A obra de Rubem Braga, nosso cronista mais sensível, que o diga!
Era mestre na ação de olhar e ver.
O grande Braga morou em uma cobertura no Leblon ( uma espécie de ‘apart-fazenda’ na área mais nobre do Rio, pois mandou prover o solo do andar superior de uma grossa camada de terra e ali plantou e viu crescer inúmeras árvores e contemplou pássaros e aves os mais variados). Ali, recebia os amigos e se dizia um tanto menos saudoso da sua pequena e distante Cachoeiro de Itapemirim. Dali, deste privilegiado posto de observação, escreveu alguns de seus memoráveis textos.
II.
“Homem no Mar” talvez seja o mais emblemático deles.
“De minha varanda vejo, entre árvores e telhados, o mar. Não há ninguém na praia, que resplende ao sol. O vento é nordeste, e vai tangendo, aqui e ali, no belo azul das águas, pequenas espumas que marcham alguns segundos e morrem, como bichos alegres e humildes; perto da terra a onda é verde.
Mas percebo um movimento em um ponto do mar; é um homem nadando. Ele nada a uma certa distancia da praia, em braçadas pausadas e fortes; nada a favor das águas e do vento, e as pequenas espumas que nascem e somem parecem ir mais depressa do que ele. Justo: espumas são leves, não são feitas de nada, toda sua substância é água e vento e luz, e o homem tem sua carne, seus ossos, seu coração, todo seu corpo a transportar na água.”
III.
E por aí segue o conto que é lindíssimo – e lição sensível, de fraternidade e amor à Humanidade.
Nas manhãs de sábado [claro que sem um milésimo do talento de Braga] sou instado a buscar esses devaneios, como inspiração para a crônica do dia. Inevitável nos dias em que vivemos chegar, ao fim de semana, massacrado pelas tragédias do noticiário da semana. Os homens custam a se entender e a se respeitarem como irmãos.
Deveria ser assim…
Mas, não é.
E cada vez mais, lamentavelmente, deixa de ser…
IV.
Mas, nem tudo está perdido, acreditem.
Ainda existem os poetas, os amigos e os cantadores.
Ousam sonhar por nós – e não nos deixam ao relento, e sós.
Por um caso do acaso, tomei conhecimento ontem de dois pequenos textos de uma amiga que eu sequer sabia que também tem a paixão pela escrita.
Alguns, ela divulga na Grande Rede; outros, não. Guarda para si.
Achei um desperdício, pois me fizeram tão bem – mas a entendo – é tímida, reservada. E o seu meigo alinhavar de letrinhas é como a janela que agora, nessa manhã, me revela a cidade, mesmo que a névoa tente escondê-la.
Seus textos são a janela de uma alma, serena e fraterna, que, desconfio, mais gente deveria conhecer.
Não me deu permissão para divulgá-los.
V.
À noite, porém, encontro na TV o filho do compositor Renato Teixeira, Chico Teixeira, a cantar com o pai a tocante “Fique Com Deus no Peito”. Não tenho qualquer hesitação. Tenho ali, em um de seus versos, a mensagem para encerrar o post/crônica de hoje:
“Ah… Saudade, vou levar…
Fique com Deus no peito
A fé faz parte
É da natureza de quem procura
Ter a certeza que encontrará…”
O que você acha?