Eu lhe dizia de minha indignação diante de fatos que nos atropelam neste final de ano.
Por vezes, penso mesmo que não há saída.
Dá vontade de fazer como o personagem do conto “A Terceira Margem”, de Guimarães Rosa. Sem motivo aparente, o caboclo abandona a família, os amigos, a sociedade e se embrenha rio adentro, sozinho, em uma canoa e lá fica o resto dos seus dias…
(…)
– Guimarães é fodástico!
Ela me diz – e sorri.
Diante do neologismo da moça, me ponho a pensar que só mesmo a capacidade criativa e transgressora e a vitalidade dos jovens – como ela – são capazes de transformar o mundo que vivemos. Sanar as injustiças e construir um País socialmente mais justo e contemporâneo.
(…)
– O que é a terceira margem para você?
A pergunta quebra o nosso silêncio cúmplice.
Respondo sem muito pensar:
“Entre o real e o imaginário. Um lugar onde somos o que somos. Do tamanho que temos, sem floreios e falsos valores. Aliás…”
(…)
Ela interrompe o que iria dizer, com outra dúvida:
– Parece que tem algo relacionado à espiritualidade. A canoa não representa a cruz em que Cristo foi crucificado?
“Aliás…” – faço questão de retomar a frase.
“Poucos ousam habitar essa tal de terceira margem. Ou estamos de um lado ou estamos de hoje. Daí a intolerância e a falta de diálogo que nos castigam. Damos mais valor à aparência do que à essência das coisas, das pessoas. Particularmente, nunca dei esse viés religioso ao conto. Mas…”
– Xi, lembro mais não… O homem volta depois de muitos anos, né?
(…)
Não. Nunca mais o turrão põe os pés em terra firme.
Um dos filhos, que ao longo dos anos acompanha a sina do pai, percebe que o homem está velhinho, doente, fraco. Vai até a margem do rio e grita desesperado. Pede para que volte que ele – o filho – irá substituí-lo na canoa e na inglória jornada.
Pela primeira vez em tantos e tantos anos, o caboclo acena em resposta e toca a embarcação na direção da margem.
O filho assustado foge.
(…)
No dia seguinte e em todos os outros, não se vê mais o homem e sua canoa na linha do horizonte em meio as águas do rio.
Desapareceu.
– Triste, né?
(…)
Cheio de remorso é o filho já varados em anos quem nos narra da história.
No final, faz um apelo ao povo da aldeia e ao leitor. Quando morrer, não quer ser enterrado. Pede para largarem o seu corpo em uma canoa, igual a do pai, e deixar que o rio leve…
O que você acha?