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O eco de antigas palavras

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Gosto muito daquela canção do Chico Buarque que se chama “Futuros Amantes”. Gosto especialmente da imagem que cria ao narrar a ação de escafandristas que, no futuro, irão explorar o Rio de Janeiro, então quiçá uma cidade submersa, e encontrar no fundo do armário, na posta-restante, silenciosamente guardado “o amor que um dia deixei pra você”.

Diz outro verso:

Sábios em vão

Tentarão decifrar

O eco de antigas palavras

Fragmentos de cartas, poemas

Mentiras, retratos

Vestígios de estranha civilização

*Ouça a música no fim da crônica

II.

Esqueço os versos buarqueanos, e aproveito a deixa para o post de hoje.

Não sou assim tão radical, não vou tão longe assim. Em antever este país-continente no fundo do oceano daqui a algumas dezenas, centenas de anos. “milênios no ar”.

Mas, me inquieta saber que vestígios desta “estranha civilização” estamos legando às novas gerações e aos arqueólogos e historiadores que, daqui algum tempo, tentarão entender o que acontece hoje por aqui, nos primórdios de 2018, o ano que ameaça não terminar.

Que análise farão desses tempos obscuros que vivemos – e dos personagens que moldam nosso cotidiano, o cotidiano de “o mais estranho dos países”, no dizer do cronista Paulo Mendes Campos?

Seremos responsabilizados pelos malfeitos e malditos de uma Nação que hoje se revela em estilhaços e cacos inúteis?

Moro e Lula.

Quem será o herói, quem será o vilão?

III.

Há 50 anos, o mundo viveu a grande revolução dos costumes, emblematicamente simbolizada pelos estudantes de Paris (posteriormente seguidos pelos jovens de quase todo o mundo) a bradar o lema:

É proibido proibir

Caetano fez a canção que Gal interpretou, de forma contundente, no penúltimo Festival da Record, em outubro daquele trepidante ano. Duas décadas depois, o grande jornalista Zuenir Ventura retratou a aventura daquela geração no livro “1968 – O Ano Que Não Terminou” que tem como epígrafe uma frase de Mário de Andrade:

Não devemos seguir de exemplo a ninguém.

Mas podemos servir de lição.

IV.

Como será que o futuro verá as aventuras/desventuras desta geração?

Será que, daqui a 50 anos, a poderosa Rede Globo divulgará outro comunicado desculpando-se por apoiar o Golpe contra uma presidente turrona, mas declaradamente honesta, implodindo pilares de uma tenra democracia ainda a ser consolidada e entregando o “galinheiro” chamado Brasil para felpudas raposas cuidarem?

Ou sequer se dará ao trabalho de repetir o editorial de 2014 quando se penitenciou pelo respaldo ao golpe civil e militar de 64?

Temo que, àquela altura, possa estar se regozijando de, no ano santo de 2018, ter iniciado a dinastia de presidentes/imperadores/comunicadores midiáticos de bordões inesquecíveis:

Ô loco, meu…

Loucura, loucura, loucura!

V.

Ah!, senhores arqueólogos do futuro, bem-vindos aos desvãos de nossos mistérios e segredos.

Por enquanto, por aqui, além do desalento, somos um poço de dúvidas.

Por onde andam os paneleiros dos edifícios de bairros nobres?

E os teletubbies e as fofoletes da avenida Paulista?

Será que as malas de dinheiro continuam a circular pelos apartamentos vazios?

O que será dele, o Ilegítimo e seus (mais) de 40 congressistas do ‘Abra-te Sésamo’?

E a farsa de Porto Alegre ganhará novos capítulos?

VI.

Então, meus caros pesquisadores, se acaso chegarem a ter acesso a essas maltraçadas linhas, saibam que por aqui, ainda que trôpegos e aparentemente insanos, muitos ainda almejam um Brasil de todos os brasileiros que, a bem da verdade, nunca chegou a existir.

Reconheço. Também temos lá nossa culpa em toda essa triste história. Não nos poupem em seus prováveis relatos. Mas, por favor, não ponham na conta dos mais humildes, dos desvalidos – como hoje fazem os que se julgam Donos do Poder – mais este inestimável retrocesso, mais este imenso infortúnio.

*(foto: capa do livro “O Mais Estranho dos Países”, de Paulo Mendes Campos)

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