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A tragédia anunciada

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Sou um velho repórter que já viveu poucas e boas pelas ruas de São Paulo. Era jovem e algo inconsequente. Até por isto, talvez, acreditasse que, com minhas reportagens, estava ajudando a construir um lugar melhor, uma sociedade mais justa e cousa e lousa e mariposa.

Algumas de minhas humildes matérias foram sobre o cotidiano do paulistano. Acidentes de trânsito, desabamentos, enchentes, incêndios e por aí vai. Que a metrópole é tão pujante, moderna e forte financeiramente quanto sofrida, abandonada e com focos de miséria de se lamentar profundamente.

(…)

Certa feita, só para ilustrar a conversa, cobri um mutirão de reconstrução da Vila Cristália, subdistrito do Ipiranga, na divisa com São Caetano do Sul. O transbordamento do Córrego dos Meninos inundou ruas e casas da região e, quinze dias depois, tudo continuava em petição de miséria, um lamaçal só, sem qualquer ação do poder público.

Dramatizei no título sobre o que vi por lá, mas não inventei nada:

“Vila Cristália. A Biafra brasileira”.

A culpa – diziam as autoridades dos dois municípios e do Governo do Estado – não era deles e, sim, de quem teimava em morar naqueles cafundós.

(…)

São Paulo, a pujante e sofrida metrópole, foi cenário ontem de outra tragédia anunciada: o incêndio e o desmoronamento de um prédio ocupado por sem-teto, no largo do Paissandu, coração histórico da cidade.

Uma tristeza!

As imagens do prédio desabando chocam.

Percorreram o mundo, com a suprema indagação:

Como pode acontecer uma coisa dessas?

(…)

Por enquanto, há informações de uma vítima do desabamento no exato momento em que era resgatado por um soldado do Corpo de Bombeiros. Porém, as buscas nos escombros do prédio procuram 44 outros supostos moradores ainda desaparecidos.

Tomara, ali não estivessem na hora da tragédia.

(…)

Como quase invariavelmente acontece em ocasiões como esta, União, Governo do Estado e Prefeitura fazem o jogo de empurra quando se fala em apurar as responsabilidades sobre o triste fato. O prédio pertencia a União, estava desabitado por falta de serventia, e foi ocupado pelo movimento LMD (Luta por Moradia Digna). Órgãos estaduais e municipais, responsáveis pela fiscalização urbana, já se pronunciaram no sentido de isentarem-se de qualquer culpa.

Em síntese, alegaram que fizeram todo o possível para a retirada dos moradores, pois o prédio não reunia condições mínimas de moradia.

Como as famílias e o movimento resistiram, o que poderiam fazer?

(…)

Sem tirar nem por, as mesmas desculpas esfarrapadas que ouvia naqueles idos. O incêndio em Heliópolis foi culpa dos ‘gatos’ que os moradores faziam para ter energia elétrica, os acidentes de trânsito eram culpa da imprudência dos motoristas – nunca da falta de sinalização -, as inundações da avenida do Estado e da Ilha do Sapo (também no Ipiranga) culpa de São Pedro que não controlou os índices pluviométricos…

Ou seja, nada muda…

E, se muda, é pra pior.

*(foto: rovena rosa/agência brasil)
* hoje não cabe a música.

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