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Cony – Quase Antologia

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Quem sou, onde estou, de onde vim, para onde vou? Não sei se foi o poeta Luiz Edmundo que fez as mesmas indagações num soneto que eu sabia de cor e do qual só recordo o fim:

“Quem sou eu? Funcionário honesto da nação. De onde vim? De casa. Onde estou? No bonde. Para onde vou? Para a repartição”

(…)

Não, amigos. Nada a ver com a notícia que leio hoje no Uol sobre a pressão que os juízes fazem ao STF para manter o ignóbil ‘auxílio moradia’ mesmo após a sanção presidencial para o reajuste salarial que tanto almejam.

(Cara dura dos senhores togados e uma grande irresponsabilidade do Ilegítimo a pouco mais de um mês para deixar o cargo.)

(…)

Os parágrafos supracitados pertencem à crônica O barro e o macaco, que consta do livro Cony – Quase Antologia, com organização e apresentação do jornalista Bernardo Ajzenberg e prefácio de Ruy Castro, lançado neste ano pela Editora Três Estrelas.

A obra reúne as melhores crônicas do jornalista Carlos Heitor Cony (1926/2018) para o jornal Folha de S.Paulo, de 2005 até dezembro de 2017.

Durante quase três décadas, Cony escreveu na página 2 do jornal, na seção reservada ao Rio de Janeiro. Espaço que antes pertencia a outro grande jornalista e escritor, Otto Lara Rezende (1922/1992).

O jornalista morreu em 5 de janeiro deste ano, e escreveu até os últimos dias.

(…)

Quem me lê aqui, com alguma frequência, sabe: Cony é uma das minhas referências. Pela acidez de suas críticas aos governos (qualquer governo) e, sobretudo, pela maneira como olhava e explicava o mundo e todos nós.

Ele assim se autodefinia:

“Sou um anarquista, inocente, que, quando muito, só faz mal a si mesmo”.

(…)

Não era exatamente  assim.

Foi o primeiro jornalista a contestar o Golpe de 64, dura e sistematicamente. Pagou com o exílio, o nome na lista dos malditos nas redações, ameaças à sua integridade física e à da sua família, além de ter sido preso por seis vezes e processado pelo general-presidente Costa e Silva.

(…)

Antes de conhecer o jornalista, eu conheci o romancista Carlos Heitor Cony, autor de dezenas de títulos.

Extraordinário.

Quase Memória  está entre meus livros preferidos.

Mas, há outros, muitos outros: Antes o verão, Matéria de Memória, Pessach – A travessia, A casa do poeta trágico, O Piano e a Orquestra e tantos mais.

(…)

Dá para sentir uma falta danada dos comentários de Cony nos trôpegos dias que hoje vivemos.

Imagino que seriam, como sempre foram, um arrasa-quarteirão com vencedores e vencidos do último pleito presidencial. E as lambanças que, entristecidos, acompanhamos nos noticiários.

É uma impressão que tenho e que se revela bem próxima à realidade quando se avança na leitura deste Quase Antologia.

Vejam, por exemplo, o que Cony escreveu na crônica Se eu morrer amanhã, publicada em março de 2017:

Se eu morrer amanhã, não levarei saudade do Donald Trump. Também não levarei saudade da operação Lava Jato. Não levarei saudade do programa do Ratinho, do Chaves, do Big Brother em geral. (…) Enfim, não levarei saudade de mim mesmo, dos meus fracassos nem minhas dívidas. Finalmente, não terei saudade dos milagres dos pastores evangélicos, nem de um mundo que fica cada vez mais imundo.

No livro tem mais. Muito mais. Inclusive uma crônica dedicada a Braguinha, autor desta deliciosa Primavera no Rio.

Leiam e ouçam!

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