Esquerda? Direita?
Capitalismo? Socialismo? Comunismo?
Revolução? Reforma? Contra-revolução? Golpe?
Palavras, definições, conceitos.
Quem são os tais – e verdadeiramente invisíveis – Senhores do Poder?
Por anos e anos, a palavra que definia os opressores era Sistema…
Tanto tempo se passou.
Estilhaça-se o sonho de uma geração.
Voltam as trevas dos desalmados.
Mas, em essência, parece que nada mudou…
…
Ouço desde os tempos de criança. O pai, adhemarista. O tio, janista. Na ingenuidade da ideologia do senso comum. Depois o pai deu uma guinada à esquerda… Homem simples – “fugi da escola no terceiro ano do Grupo” -, sinceramente não sei como se deu a conversão. A minguada aposentadoria ‘por invalidez’ ajudou, creio eu. Talvez a passagem do tempo tenha ajudado. As mazelas da ditadura militar e seus asseclas, também e muito provavelmente.
O pai passou a implicar com os poderosos. E anarquicamente concluir bem ao seu jeito, de um senhor de brevíssimas palavras:
– Se há um governo, sou contra!
…
Ah, essas conversas! Infindáveis, inconclusivas, mas que nos forjam a alma e determinam o caráter, o lado que estamos.
Ainda jovem, repórter do baixo clero, arregalava os olhos e os ouvidos, atento às discussões entre os veteranos Marques, Zé Jofre e Nasci na velha redação de piso assoalhado e grandes janelões para a rua Bom Pastor.
Um pelo outro, todos mestres da meninada que ali aportava com o ilusório sonho de ser jornalista e, va lá!, mudar o mundo.
…
Marcão e Jofre, de origem revolucionária. Tiveram participação nos idos do Partidão.
Nasci, diria, mais conciliador. De centro-centro-esquerda, talvez.
E olha que o nosso guru era lá bem anárquico em outras áreas da existência.
“Viva e deixe viver” – era o mote.
Mas em política, um ferrenho defensor, de outro bordão:
– A virtude está no centro.
Entre uma cachimbada e outra, enevoava a sala, e se dizia “um reformista, conciliador, democrata”.
– Qualquer coisa é melhor que o conflito, o embate, os extremismos.
…
Lembro o distinto leitor que estamos nos anos 70, ok? Não se assustem com a formalidade da conversa que tento realinhar de memória, como se fosse um resumão.
…
Marques fazia o contraponto:
– Não há mudança sem ruptura.
Jofre chutaria o balde se balde existisse:
– Quem está no poder, seja quem for, nunca vai abrir mão dos privilégios. Acreditar em algum ajuste é pregar no deserto.
– Não é bem assim, dizia o Nasci.
– Não radicaliza, Zé – dizia o Marques.
– Não se iludam – e, por favor, não me iludam – reforçava o Zé.
E concluía, com o mote de maior sucesso entre nós, a reportada, os espectadores:
– É como dizem na minha terra, o Ceará: patrão bom nasce morto!
– No âmago de tudo está a luta de classes. Enquanto houver patrão, dono, amo e senhor, quem está por baixo tem mais que se indignar e ir a luta.
…
Nasci:
Se não houvessem patrões não haveria empregados.
Se não houvesse governo haveria o desgoverno.
Marques acrescentava o ardido tempero:
Se não houvesse explorador não haveria explorados.
Desde que o mundo é mundo você precisa saber de que lado está.
Jofre:
Não se deve nunca menosprezar a crueldade de quem se aboleta no poder e passa a se imaginar o salvador da pátria…
E concluía, à la Millôr:
Um país desmobilizado, sem apego às suas identidades culturais, que espera um salvador, sinceramente… Não merece ser salvo.
E viva a Revolução!
…
E viva a arte que nos salva e dá alento…
O que você acha?