Ela me ensinou a meditar.
Quer dizer, bem que tentou.
…
Faz tanto tempo.
Não lembro.
Parece que foi ontem.
…
Disse que eu vivia no 220.
Precisava desconectar.
“Você está sempre ligadaço, pensando e pensando. Tem hora que precisa virar a chavinha e desligar”.
…
Sorri o sorriso dos descrentes.
Vivia pilhado mesmo.
“Meu nome é trabalho, sobrenome jornalismo.”
Como podem ver, gostava de uma frase de efeito.
(Que bobagem!)
…
Sempre me entendi um cara de responsa e levava a sério essas estultices todas do cotidiano de uma redação que, muitas vezes, nos faz imaginar melhor do que verdadeiramente somos.
Vale para outras profissões?
Talvez, é provável.
…
Mas a moça de feições indianas (é baiana de origem) insistia com jeito manso:
“Senta bonitinho, em posição confortável. Feche os olhos e vai… Respira fundo. Leva um tempo para pegar a prática. 20 minutinhos por dia. No dia que chegar lá me diz.”
– Como vou saber que cheguei lá?
“Quando perceber que passou esse período sem pensar em nada.”
– Acho que durmo antes.
“Bobão, aí que está o segredo da meditação. Vai ver… Te leva à perfeição. Te ajuda a ficar mais centrado no que é realmente importante. Viver o presente. Descolar-se do passado, deixar que o futuro aconteça com naturalidade.”
– Vou tentar, eu disse sem qualquer convicção.
“A gente não tem controle sobre as coisas do mundo, não. O negativismo está solto por aí. Não podemos nos prender a isso. Essas coisas ruins acabam com a saúde física, mental e espiritual da gente.”
…
“Você me acha louquinha por dizer essas coisas.”
Uma louquinha do bem, maravilhosamente intencionada, pensei; mas, não sei se lhe disse.
Ela fez questão de me emprestar o Livro dos Sonhos, do argentino Jorge Luis Borges.
Tentei ler, não fui muito longe.
Parei na página em que ela havia assinalado, com o amarelão do ‘marca texto’, uma frase atribuída a Orígenes, compilada por Borges:
Sem Reclamações
Deus não castiga ninguém sem ter avisado antes.
…
Achei maneiro, enigmático.
Fiquei meditando sobre…
Em vão.
Dormi e não sonhei.
…
Faz tanto tempo.
Parece que foi ontem.
Vale pra hoje.
Preciso encontrá-la.
Para lhe devolver o livro que não li…
VERONICA PATRICIA ARAVENA CORTES
7, junho, 2019Boa!!!