Foto: Jô Rabello
…
Tem um tempo que eu…
… não tenho aquelas meigas alegrias de quintal,
… não ouço aquela canção do Roberto,
… não contemplo a vermelhidão do nascer do sol.
… não atiro uma pedra na lagoa para que repique três vezes na superfície da água antes de afundar,
… não assisto a um filminho na sessão da tarde,
… não caminho pelas ruas da cidade sem rumo certo,
… não visito a igreja São José no Ipiranga,
… não tomo a bênção do frei Sebastião.
Tem um tempo, sim.
Que não improviso aquele chutão na bola que escapou do jogo dos garotos (e, de repente, veio pingando, se oferecendo à minha frente),
… não vou a um jogo do Juventus na rua Javari.
… não encontro aquele vendedor de mel em litro na quebrada perto de casa,
… não me delicio com um animado show de música ao ar livre,
… não leio um livro do Fernando Sabino,
… não tomo suco de melancia com laranja naquela esquina da Paulista,
… não tenho notícias dos amigos que moram no Exterior.
Tem um tempo, um bom tempo que não desvendo um doce mistério,
… não compro flores do campo,
… não me emociono com a poesia do Mauro Salles,
… não durmo ouvindo o ronronar das ondas.
“À beira mar
nada
além do sonho
é verdadeiro”
Enfim…
Tem um tempo, caros, que alguém não me conta um doce segredo,
Que a Lua não me dá boa noite,
Que a esperança não aquece meus sonhos.
…
Há quem diga que a culpa é do celular. Da internet.
Da pós-modernidade, da Vaza Jato e o escambau de Madureira.
Mas, eu desconfio que o culpado de tudo – e por tudo, sou eu mesmo.
Acho tudo tão artificial, tão sem graça.
E lá se vai mais um dia…
(Juro que não era assim.)
…
O que você acha?