Vacilo meu, não guardei o nome do moço.
Deveria…
Pois acredito que, uns pelos outros, ele bem representa a todos nós, brazucas, quando nos debruçamos sobre o momento que o País atravessa.
…
Aparenta estar nos arredores dos 50 anos (também não perguntei a idade).
Diz que é engenheiro de produção, trabalhou 20 e tantos anos numa empresa de porte e, desde de novembro, está “no osso do caroço”, fora da CLT.
– Caramba, vai fazer um ano!
…
Ele próprio se espanta com o andar dessa carruagem indomável chamada Tempo.
Confessa que desistiu de procurar emprego na área.
Quem não tem cão…
…
De abril para cá, quando a indenização e a esperança começaram a rarear, decidiu ser motorista de aplicativo.
Tem mulher e filhos pequenos para cuidar.
Consola-se:
“Ao menos escapei do chefe tosco que se julga mais patrão que o próprio dono do negócio.”
Livrou-se também dos filhos do dono “que gostam de dar palpites em tudo”.
– Pareciam os filhos de um incerto presidente.
…
– E como vai a nova profissão? – pergunto querendo mostrar interesse.
“Dá para empatar”, responde.
“Pego cedo no volante e vou na batida até a noitinha. Sábado, inclusive. Às vezes, no domingo também. Não sobra, mas também não deixo faltar.”
…
Aprovo a determinação e coragem.
– Sempre é tempo de um recomeço, digo sem grande convicção.
Ele sorri.
Me diz que anda preocupado com o final do ano.
E explica.
Esses anos todos a carteira assinada lhe garantiu o décimo terceiro, as férias e o abono das férias.
“Dava um gás legal nas contas de casa. Agora não sei como vai ser…”
…
Tudo se resolve, tento confortá-lo.
Promete que vai aumentar o tempo da sua jornada, “dobro se for preciso”.
Pensa um pouco – e continua.
Prefere estar com a família na noite de 24 de dezembro e também na virada do ano.
“Tem coisa que não tem preço.”
…
Faz sentido, digo.
– Não leve tudo tão a ferro e fogo. Trabalhar faz bem. Dignifica o homem, improviso um discurso de autoajuda.
Não sei se ouve o que falo.
Dirige em silêncio, olhos arregalados. O pensamento talvez remexa o baú de memórias e expectativas que, nesta época, se misturam num balanço do que fizemos e o que deixamos de fazer neste manchado 2019.
Eu o acompanho nessa.
Fico mudo e tento dar uma geral na temporada.
Tenho saúde e fé. Tô no lucro.
Toc, toc, toc.
…
De repente, ele recomeça a falação.
Muda o tom.
Quer saber o que faço da vida.
– Sou jornalista, respondo.
É o que basta para me encher de perguntas cabulosas.
Que sinceramente não sei responder.
…
Primeiro, quis saber onde anda Queiroz.
(Sei lá…)
Depois, se é justo o presidente nomear o filho embaixador.
(Ai,ai,ai…)
Faço cara de paisagem – e o tal aciona sua metralhadora giratória de indagações:
“É verdade que entregamos o Pré Sal pros gringos?”
“Foi a Venezuela que provocou as manchas de óleo nas praias do Nordeste?”
“A Amazônia ainda é nossa?”
“E o Moro é esse xerifão todo ou também compactua?”
“Meu pai tem saudades da ditadura – e o senhor?”
– Eu?
– Vou descer na próxima esquina.
…
(Como diz a placa na rodovia, ‘evitar acidentes é dever de todos’)
O que você acha?