Fico surpreso com a pergunta que o amigo me faz:
– Por que não escreveu sobre Luiz Vieira?
No mesmo instante, a surpresa se transforma em espanto.
Intuo o que motiva a pergunta:
Ele morreu, pergunto.
– Ontem (quinta-feira, 16) no Rio de Janeiro. Tinha 91 anos.
Da surpresa para o espanto e, deste, para a triste constatação:
– Não sabia.
Passo o dia todo fustigando os principais portais de notícia – e não vi sequer uma nota sobre o passamento nas homes do dos ditos-cujos.
– Ou eu que sou muito distraído ou…
O amigo então me informa:
– Vi uma breve reportagem na Globo News.
E conclui:
– É assim mesmo. Somos o que somos no tempo em que somos.
– Um país sem memória, replico. – Um país que, a cada dia, fica mais distante dos seus verdadeiros valores culturais e cidadãos.
…
Ainda ontem escrevi sobre a Era do Rádio…
Pura coincidência.
Luiz Vieira era desse tempo.
Natural de Caruraru (PE), veio cedo para o Rio de Janeiro (anos 40) em busca das então poderosas ondas sonoras do rádio.
Fez e aconteceu.
Deixa um legado de mais 500 canções.
…
Ele se dizia um cantador.
A bem da verdade, era bem mais do que intérprete.
Músico, compositor, poeta, prosador, apresentador de rádio e de TV, entre outras.
Um artista fincado nas nossas tradições. De voz forte, independente, marcante.
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Lembro que, lá pelos idos dos anos 60, comandou um programa próprio na TV Excelsior. Cantava, declamava versos, trazia convidados para mostrar as novidades musicais e terminava, sempre, com uma canção de sucesso (Menino de Braçanã, Menino passarinho, Paz do meu amor, entre outras) e se despedia com a seguinte frase:
“Até a próxima semana, e continue me querendo bem que não custa nada”.
…
Seu auge foi antes da Jovem Guarda, dos Festivais, da MPB estourarem e, no ato, relegarem ao esquecimento tudo o que se fazia musicalmente até então.
A tal da ruptura para abrir espaço para o novo.
Nessa levada, tiraram de cartaz outros tantos nomes do nosso cancioneiro. Luiz Vieira foi um deles.
…
Mesmo quando, ao fim da década, o Tropicalismo e uma onda de resgate às nossas origens recuperam toda uma geração de autores e intérpretes (a TV Record chega a ter um programa só para os velhinhos de então, o Bossaudade, criação de Manoel Carlos, com Elizeth Cardoso e Ciro Monteiro no comando); nem assim Vieira volta à chamada grande mídia.
Prefere trilhar um caminho único. Estabelece raízes em seu Nordeste querido com um programa de rádio que passa à margem dos modismos e das apelações.
…
O legado de Luiz Vieira se preserva também nas vozes de Caetano Veloso, Taiguara, Pery Ribeiro, Nara Leão, Agnaldo Rayol, Elba Ramalho, Luiz Gonzaga, Rita Lee, Maria Betânia, e tantos outros.
Em 2018, realizou-se em São Paulo um tributo aos 90 anos do artista. Posteriormente, em maio de 2019, saiu um disco do espetáculo. O último registro, em vida, de sua belíssima obra.
Foto: Divulgação
Leila Kiyomura
18, janeiro, 2020Agora o menino passarinho está voando no céu da sua alma em uma ternura imensa…
Obrigada cronista por nos fazer lembrar…