Fotos: Reprodução
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Esqueço a tortura dos noticiários em tempos oblíquos.
É uma opção que faço consciente de que meus amáveis cinco ou seis leitores merecem e precisam de uma trégua. Mesmo que seja por poucos instantes.
Que tenham, neste espaço, um breve respiro de poesia (nas vozes de Rolando Boldrin e Milton Nascimento) e sonhar.
Às bordas das manhãs, que tenham acolhimento e ainda que leve soprar do vento da esperança a lhes arejar rostos, mentes e corações.
Por isso, creiam, recolho histórias e estórias (lembram quando os doutos propuseram a diferença entre as palavras?) em que acredito e almejo: sejam partes de nossas vidas.
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Esta, eu lhes trago de Areias, cidade histórica do Vale do Paraíba, onde o escritor Monteiro Lobato foi promotor público no início do século 20.
Ouço que Lobato escolheu a cidade “para por em dia a leitura”, pois, acreditava ele, por aqueles cantos “não haveria criminosos em número suficiente a lhe tirar o almejado sossego”.
Assim, o fez.mais
Ficou por ali por um bom tempo. De lá trouxe as anotações e a inspiração que lhe renderam o livro de contos Cidades Mortas, publicado em 1919, em que narra o apogeu e a decadência daquele pedaço de terra, incrustado na divisa dos estados de São Paulo e Rio de Janeiro.
Dizem que lá também escreveu outro clássico, Urupês (1918), enquanto degustava os clássicos e os tomos processuais.
Inspiração não lhe faltava.
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O cotidiano de um Brasil provinciano lhe deu o mote.
Um olhar mais alongado, sensível, para os dias quentes, de céu azulado, e a lida da caboclada aos pés da Serra da Bocaina determinou o registro daqueles dias como obra literária.
O plantio do café no Brasil se iniciou por aquelas bandas, ainda no tempo do Império. O que trouxe certa riqueza para as cidades locais – Bananal, Arapeí, São José do Barreiro, Areias, Queluz e Cachoeira Paulista.
Mas, logo o ciclo se encerrou – e os cafezais se bandearam para outras áreas mais quentes da região central do estado.
Por ali, ficaram a estagnação e o dito Caminho Real – hoje, ainda que parcialmente, rota de turismo para ecoturistas e afins -, tempos depois substituído pela Via Dutra.
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Não sei se só por isso, mas também por isso, Lobato é autor imprescindível para que possamos entender mais nitidamente nossa identidade cultural.
Que o digam os 23 volumes do Sítio do Picapau Amarelo (publicado entre 1920 e 1947)! (*)
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Outro exemplo?
Anos mais tarde, em 1938, já em São Paulo, ele é um dos grandes incentivadores do então jovem poeta gaúcho Mário Quintana.
Como vêem, não há barreiras para a grandeza d’alma.
Ao tomar conhecimento dos poemas de Quintana – ainda um autor restrito às lides portalegrenses e às páginas da revista literária Ibirapuitã -, o paulista de Taubaté lhe escreve uma carta de apoio e abrindo-lhe às portas de futuras publicações – estas, sim, em âmbito nacional.
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Leiam a íntegra da carta:
Prezado Sr. Mário Quintana:
Não resisto ao prazer de lhe endereçar esta, de agradecimento pelo fino prazer mental que através da IBIRAPUITÃ, me têm proporcionado seus versos. Que novidade eles representam no nosso maré magnum de poesias puramente sentimentais ou descritivas, sem uma sombra de ideia filosófica dentro! Cada conjunto de quatro versos seus constitue uma perfeita jóia de forma e filosofia da mais alta qualidade – a que paira no Olimpo do humour . Tanto me têm encantado, que já despertei a atenção de meus amigos, e muitos andam com cópias à maquina no bolso. E os jornais da UJB também andam a espalhá-los pelo mundo.
Que coisa bonita o verdadeiro talento! Como vence, como se impõe – como se mostra, por mais escondido que comece…
Queira meu caro poeta-filósofo aceitar a sinceríssima homenagem de minha enorme admiração.
Monteiro Lobato
P.S. Não tem já matéria desse gênero que dê para um livro? Se tem, é com prazer que me empenharei para que a Editora Nacional o lance com todas as honras.
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O conto A Menina do Narizinho Arrebitado foi publicado em 1920, ainda quando o autor vivia em Areias. O primeiro da coleção que, concluída em 1947, resultou no Sítio do Picapau Amarelo, clássico da literatura infanto-juvenil brasileira. Que, neste 2020, portanto, completa 100 anos. Mas isto é uma outra história que fica para uma próxima vez.
O que você acha?