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O que o tempo leva… (7)

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UMA NOVELA BLOGUEIRA(Foto: Jô Rabelo)

– Ô, molecada, por que o cachorro entra na igreja? Vocês sabem?

– Não.

– Porque encontra a porta aberta. Simples.

– Ah…

– Agora, piralhos, sabem o porquê ele sai?

– Porque não achou comida.

– Não, cabeção, porque a porta continua aberta. Entenderam?

Entender, entender, a gente não entendia. Mas era o jeitão que os adultos tinham de nos tocar das rodas que faziam para se divertir e beber e conversar e jogar bilhar no Bar do Pepino, ali, nas quebradas da rua Muniz de Souza com a Almeida Torres.

Minha turma era abusada, garotada enxerida, louca para se enturmar com os grandões. Não éramos barra-pesada (como se dizia, então, para definir os violentos), mas bagunçávamos além da conta.

Vira e mexe, o lanterninha nos expulsava das matinês no cine Riviera.

Lembrei a história, pois foi num passinho vira-lata que, malandramente, fui me achegando ao casarão que é a sede central da fazenda onde se localiza a Pousada Estrela dos Boêmios.

De perto, a construção se assoberba.

Faz-se ainda mais imponente.

Impressiona.

Passa a sensação de que é uma nave-mãe a nos encaminhar para dentro da História de um estranho país “lindo e trigueiro”, como diz aquele samba épico.

É possível dizer que estou diante da malfadada Casa Grande, aquela do livro do professor Gilberto Freyre.

A Casa Grande que, nas aulas de História Contemporânea do Brasil, causava uma polêmica.

Dividia a turma.

Uns achando que Freyre romanceava em cima do tema. Dava traços mais suaves ao horror que foi a escravidão no Brasil e, assim, de certa forma, toldava a realidade que vivíamos até então – e, tristemente, vivemos ainda hoje num Brasil de imensas senzalas.

A discussão começava na sala de aula e se estendia, após o horário, no Rei das Batidas, afamado botequim ali, no comecinho da Cidade Universitária. Uns goles a mais – e tudo acabava num samba triste que um veterano, de vasta cabeleira e bigode, o Serjão, entoava em tom de lamento.

Nunca me pronunciei sobre o momentoso tema. Mas, lembro o início do samba:

Ô Antonico, vou lhe pedir um favor

Que só depende da sua boa vontade.

É necessário uma viração pro Nestor

Que está passando por grande dificuldade.

No folheto de apresentação do passeio, folder para os americanóides de plantão, não há qualquer menção, tipo “visita a uma autêntica senzala”.

Suponho que, no lugar antes habitado pelos escravos, podem ter construído os confortáveis chalés para abrigar a turistada.

Suponho.

Seria uma amarga ironia.

Enfim…

Vou me aboletar numa dessas poltronas de palha trabalhada que se espalham na ampla varanda do casario. Deixar que o tempo verta lentamente no entreato da memória e das ideias.

O tempo, amigos, não para no porto

Não apita na curva

Não espera ninguém

Agora percebo o motivo que leva os cowboys do cinema a usarem aqueles chapelões de aba larga. Numa horinha distraída como esta, é só embicá-lo sobre o rosto e puxar uma pestana legal.

O boné disfarça um tanto, mas, convenhamos, compromete o estilo.

Não sei o que os colegas da USP pensariam ao me flagrarem assim, tirando uma de coroné.

Divertido mesmo seria ver a expressão de espanto dos meus amigos de infância, aqueles das matinês no Riviera, se me vissem agora.

Estou me sentido o próprio Roy Rogers.

1 Response
  • VERONICA PATRICIA ARAVENA CORTES
    13, abril, 2020

    Rsrsrs

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