UMA NOVELA BLOGUEIRA – (Foto: Reprodução do Instagran)
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Dio mio!
Quanta falta de absurdo!
Ainda estou abestalhado com o bendito sonho (ou seria pesadelo?) que acho melhor acompanhar o Lindo-Lindão na miúda, sem dar sequer um pio.
Malandro que é malandro não bobeia.
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Ele segue alguns poucos passos à frente; passos lentos, mas firmes.
Posso observá-lo mais atentamente.
É uns tantos anos mais coroa que eu, certamente.
Parece bem disposto. Porte ereto – eu já ando meio broco dos cangotes -, pele temperada pelo sol desses quadrantes.
Viver na montanha, ar puro, em contato com a natureza etc etc. Faz um bem danado.
Aposto que não é nativo da região.
Tem um estilão requintado no gosto em se vestir, uns panos nos conformes e, de barato, esse cordão de couro prendendo a cabeleira. Nos trinques.
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A bem da verdade, suas (dele) feições não me são estranhas.
De onde conheço a figura?
– Posso chamá-lo de você, não?
Dou de ombros. Tanto faz.
– Você (eu) é o jornalista turrão que empacou (olha o verbo que ele usa?, não gostei) e não seguiu com os grupos nos passeios, o Italiano?
Continuo na minha, em silêncio disperso. Cara de paisagem.
Entramos na casa.
Dez passos à esquerda, uma porta de abrir e fechar, tipo saloon (e essa agora!), e topamos com um amplo refeitório todo zelosamente arrumado à espera dos convivas.
Ele escolhe a mesa próxima a uma das janelas, puxa uma das cadeiras. Antes se serve de uma cachacinha amarelecida que está ao gosto do freguês no balcão ao lado, oferece um trago:
– Sirva-se, gente boa, é das melhores que já provei!
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Hesito em responder e aceitar (já cumpri minha cota de vexame por hoje, acho), mas me aboleto em outra das cadeiras.
– O pessoal dos passeios ainda demora um pouco a, chegar. Você é o escritor, jornalista? Italiano de onde? Qual seu nome mesmo?
Lá vou eu dar a ficha completa:
– Sou jornalista. Escritores são os bacanudos, os literatos. Sou repórter vira-lata, de pé de página, um escrevinhador do cotidiano. Não sou italiano, é um apelido que me deram aqui. Nasci em São Paulo, num bairro operário…
– Seu nome?
– Pedro Paulo – digo sem vontade de dizer. Preferiria continuar sendo só o Italiano.
Enfim…
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Tomo coragem – e inverto o jogo das apresentações. Finjo espontaneidade – e alguma indiferença – na pergunta:
-O senhor é daqui, do lugar?
A resposta em detalhes não me surpreende:
– Vamos deixar de cerimônia, o Senhor está no céu, e é bom que por lá fique a olhar por nós. Amém. Sou gaúcho, mas vivi quase toda minha vida em São Paulo, onde minha carreira decolou e se estabeleceu. Passei algumas temporadas no Rio. Há uns 20 anos, pouco mais, vim para cá. Eu e os meus livros que leio e releio, basicamente os clássicos. Há quem afirme que eu escolhi esse canto do mundo para fugir dos meus fantasmas. Pode ser…
Por falar nos ditos cujos, dou uma espiadela ao redor para conferir se os malocas dos meus amigos de infância – aqueles do sonho/pesadelo – continuam a me rondar.
Aquela molecada é foda, viu.
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O Tio Carlos danou-se a falar:
– A bem da verdade, a vida, às vezes, precisa de uma pausa, como escreveu Carlos Drummond de Andrade, um dos meus poetas favoritos.
Eita, e eu pensando que a frase fosse da minha douta criação!
Disfarço. Finjo espanto:
– Vinte anos, nossa! É muito tempo.
– Não o suficiente, responde ele. – Pretendo ficar mais, bem mais. Aqui, o ator, autor, diretor, produtor, o homem de teatro Carlos Artúlio se reinventou como Compadre Tio Carlos. Adorei a persona e o personagem, fiz boas amizades – o Felisberto que chamam de Filósofo, por exemplo, é um irmão que ganhei – e, serenamente, por fim, posso dizer que me sinto mais feliz do que tristonho. Porque assim é a vida real, mais desafiadora e algo além do que se esforçam em sugerir as luzes da ribalta.
Acho que entendo, acho.
– Italiano, gente boa, por essas paragens da Bocaina, menos é mais.
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Um canto de esperança…
O que você acha?