Fotos: Arquivo Pessoal
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10 – O Iluminado
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Então, os amigos deixam para trás a pacata aldeia, onde sempre viveram.
À luz da manhã, andam, sem rumo, pelos nortes da Toscana.
Há dias fazem o périplo da Palavra, pois essa é a missão de ambos por conta de um deles.
Francisco, o Iluminado, abriu mão da fortuna paterna, dos títulos de nobreza.
Descobriu a verdade, o caminho e o amor.
A verdade traz no coração – e nos atos.
O caminho faz cada passo.
Sem hora para partir, sem hora para chegar.
O amor revela-se na Palavra e na Fé.
Ao descobrir-se Luz, impregnou de clarividência um grupo de amigos que resolveu acompanhá-lo.
Fizeram-se assim por conta e risco discípulos. E entregaram-se à Obra.
A Obra começou entre os montes e vales da própria aldeia. Entre os próximos — os humildes, os rotos, os doentes.
E quem mais chegasse.
Os animais, inclusive.
O Iluminado parece exercer domínio sobre pássaros e lobos.
Não há dúvida.
Vive ali um santo homem.
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Logo a fama do mítico espalha-se como a canção do vento.
Francisco entende mais este chamado.
Outros mais querem ouvi-lo.
Pois, então…
Divide os discípulos em duplas, e todos partem sem rota definida.
Mas, com a mesma Missão.
Apenas Clara e algumas amigas permanecem.
Cuidam do cotidiano da Obra, na aldeia de construções ocres.
Afinal, foi ali que tudo começou.
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Cabe ao discípulo Maceu acompanhar Francisco.
Por isso, agora estão ali no caminho.
É um bom homem; porém com o pecadilho da vaidade. Que, em essência e sem extremos, nem pecado chega a ser.
Ali, ao lado do Iluminado, Maceu sente-se grande. Um tanto acima do homem comum.
Estrada afora, vai o coração a lhe estufar o peito…
Até que, em certo momento, o caminho se bifurca.
Qual direção seguir, pergunta.
— Não sei, responde Francisco.
Diz mais:
— Gire em torno de si, amigo. Como se fosse um peão. Faça de conta que é criança. Rode, rode até não poder mais. Como um menino.
Maceu assusta-se.
O Iluminado a lhe propor isso?
Porém, não soube como negar.
Então, abre os braços e gira e gira e gira. Como se fosse um peão, um bambino feliz.
O hábito marrom enche-se de ar. E não é que, assim, os rodopios lhe dão as formas ovaladas do brinquedo!
Logo vem a tontura, o topor.
Esquece que outros caminhantes o olhavam admirados.
Todos riem dele. Logo vem o riso solto para ele também.
Sem noção de tempo, espaço.
Está preste a cair quando ouve a sentença.
— Deixe-se tombar ao chão. Para onde o seu olhar apontar, seguiremos. Esta será a vontade do Senhor.
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Assim se fez…
E os amigos chegam à região de Siena e San Gimignano onde os exércitos locais, inimigos desde sempre, preparam uma batalha sem fim.
A presença dos missionários, porém, dissipa as desavenças.
Desarma os espíritos.
Não há luta, nem mortes.
Querem apenas estar com Francisco de Assis, o Iluminado. Que, ao seguir a vontade do Senhor, evita o confronto e salva muitas vidas.
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* Estar em ASSIS equivale a uma bênção que prefiro, por não saber, não explicar.
Mesmo que aquele não queira, este não acredite, outro se diga indiferente, vive-se ali uma aura de transcendência e espiritualidade como em nenhum outro lugar que visitei.
O universo parece conspirar a nosso favor – e a favor do sonho e da celebração. Do uno e do todo indivisível.
Basta acreditar.
Fé e esperança.
A viagem, a partir de então, se faz uma peregrinação.
Próxima parada: Cassia, onde nasceu, viveu e morreu Margheritta.
Ou Santa Rita de Cássia, como nós brasileiros a conhecemos e louvamos.
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* Padroeiro da Itália, São Francisco de Assis nasceu em 1181 e morreu em 1226. Texto publicado originalmente em 04/10/2007
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