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Ridículos tiranos

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Foto: Arquivo Pessoal

Quinta, 29 de outubro.

Escrevo neste fim de tarde o texto que amanhã publico no Blog – e só agora me dou conta que hoje é o Dia do Livro.

Além do proverbial atraso que vem caracterizando minhas postagens (pois, ainda imagino que escrevo para o jornal de amanhã), fico a matutar o que poderia lhes dizer sobre o tema que, a mim, é arte (o livro dos outros) e humilde ofício.

Por força e circunstâncias, vejo-me compelido a escrever sobre o a obra que acabo de ler.

O Senhor Embaixador, de Érico Veríssimo.

Diria que foi uma releitura inédita.

Como assim? – perguntaria o amigo leitor.

É possível isso?

Pois, acredite, meu caro: é!

Terminei ainda há pouco de ler o romance do gaúcho de Cruz Alta, Érico Veríssimo (1905/1975), – e me senti assim como se nunca houvesse sequer passado uma vista d’olhos em suas alentadas 480 páginas.

Lembrava vagamente o entrecho: o cotidiano do embaixador de um país imaginário, uma ilhota à beira do mar do Caribe, que assume, com pompas e circunstâncias, a embaixada americana em Washington.

Minha memória aí deu um breque.

O que veio a seguir na trama, amigos, foi novidade, e uma amarga surpresa.

Menos pelo transcorrer da narrativa, de estilo direto, objetivo e fluente. Mais, muito mais, pelos fatos que o autor retrata naquela longínqua década – e que, acreditem senhores e senhoras (pois não quero lhes toldar ainda mais o fim de semana; para isso basta essa chuva primaveril),  continuam inequivocamente presentes na vida da nossa vulnerável Latino América.

Não me recordo exatamente em que ano fiz a primeira visita a essas páginas. Certamente, fim da década de 60. À época, fazia o gênero hiponga desconectado do que chamávamos de Sistema. Ainda não havia entrado na Universidade – e, talvez por isso, as discussões simultâneas que o livro propõe passaram sem o meu devido entendimento. Talvez melhor fosse dizer: sem o meu devido processamento e análise.

Sim, o romance de Veríssimo, como diria aquele ilustre boleiro, estava (e continua) em outro patamar.

Vale a reflexão!

Não me compraz dizer  que as tramas de O Senhor Embaixador mostram-se ainda hoje um desafio aos povos latinos-americanos. Retratam basicamente as instáveis relações dos governos ditatoriais (militares ou não?) dos países das América (e insensibilidade das oligarquias que apóiam) e o contraponto feito pelos movimentos tidos e havidos como libertadores.

O sensato – e louvável – é que, acima de todos os questionamentos, o autor nos traz a relevância de se valorizar o ser humano, promover a verdadeira inclusão social, defender a luta por princípios cidadãos e abominar a violência disseminada entre irmãos e, por que não?, iguais.

No bojo dessas discussões, também aparecem ali o debate sobre a postura do intelectual, a manipulação dos veículos de comunicação e o descalabro daqueles que se autoproclamam os salvadores-da-pátria.

Qualquer coincidência é mera…

Valeu a releitura!

Mas, confesso, se a tivesse feito anos atrás, ali por volta dos anos 90 ou na primeira década do século, eu definiria esse contexto descolado da realidade que até então vivíamos.

Daria graças ao Senhor por termos superado essa triste rotina de golpes e retrocesso social e humanístico.

Hoje, infelizmente, constato que continuamos à mercê de ridículos tiranos.

A propósito, me bateu a sensação de que Caetano Veloso pode ter se inspirado nesse livro ao compor a contundente Podre Poderes.

Lembram-se daquele roquezinho que fala dos tais ridículos tiranos?

Pois, então…

É só uma sensação, mas tudo a ver.

 

 

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