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Dentro de um filme do Borat

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Foto: Jô Rabelo

O homem sempre deve estar em busca da sabedoria.

Certo?

Ou seria esta uma preocupação própria a “um país de maricas”.

Sei de brutamontes que pensam assim.

Princípios, valores, propósitos. Pra que isso se todos vão morrer um dia?

“Não é não, Sérjão?

Ah, ah, ah, ah…”

Em todo caso, naquela manhã, Pablo saiu a caminhar e levou consigo um pequeno livro que uma amiga lhe recomendou:

Um Jardim Chinês de Serenidade – Reflexões de Um Zen-Budista.

Por vezes, o moço se imagina dentro de um filme do Borat por mais bizarro que possa parecer.

Caminha, então, até um parque próximo de sua casa. É um bom lugar repleto de área verde. Quer pôr a cabeça em ordem, os pensamentos em dia – enfim, buscar o equilíbrio para tempos tão ásperos.

No parque, acomoda-se em um dos bancos à margem do lago artificial e se põe a observar o movimento das pessoas que caminham pelas alamedas ajardinadas, num ritmo harmonico e, quase todas, em silêncio

Repara que usam tênis fabricados na China, agasalhos fabricados na China ou em alguma república asiática, e por aí vai. Porque assim é o mundo hoje mesmo que as marcas que estampam sejam originalmente americanas e europeias.

Por via das dúvidas, confere se alguém ali está de Bamba (quem se lembra?), o cover nacional do americano All Star, fabricado pela São Paulo Alpargatas.

Existe ainda?

Ou já foi encampada por algum conglomerado multinacional?

Justiça se faça.

Há até uma moça de Havaianas, a sandália brazuca de renome mundial. Também da nossa Alpargatas.

Mas, cá pra nós, não seriam as Havaianas um produto próprio ao tal “país de maricas”?

Que bobagem está a pensar…

A expressão “maricas” hoje equivale a sensível, sensato. Em contraponto à salivação raivosa e à pólvora.

Preservar vidas é “ser maricas”.

Deixa pra lá.

Sinais dos tempos.

Pablo está confuso, melhor mergulhar na leitura.

Abre o volume ao acaso e lê:

Quando o vento sopra nos bambuais esparsos, estes não retêm o som do vento.

Quando os gansos selvagens voam sobre um lago frio, a água não guarda a sombra dos pássaros que passaram.

Assim a mente do homem superior começa a trabalhar apenas quando algo acontece; e torna-se um vácuo quando o caso termina.

Em cada coração humano existe um Livro da Verdade encadernado com cordéis gastos e papéis de bambus rasgados.

Em cada coração humano existe também uma Sinfonia da Natureza abafada por canções sensuais e danças voluptuosas.

Um homem deve varrer fora tudo quanto é externo e fazer buscas no seu ser íntimo a fim de encontrar a felicidade.

Nosso personagem se sente impaciente.

Fecha o livro.

Como pode – ele ou quem quer que seja – ficar alheio às desgraças e injustiças deste tal mundo exterior?

Pensa no dia anterior, nas infames declarações e desatinos de pseudos salvadores-da pátria, autoridades que deveriam zelar pelo bem comum, pelo apoio à ciência que desprezam, pelo meio ambiente que querem transformar em pasto, pela consolidação das instituições que desrespeitam e se portam de forma arrogante, egoísta, tacanha…

Conclui o quanto a Humanidade anda distante da pérola da sabedoria, do coração da verdade, única e redentora. Da generosidade fraterna.

Percebe, naquele átimo de segundo, que o silêncio ao redor grita – e ressalta – a solidão de cada um. Mesmo aqueles que se exercitam acompanhados…

A solidão de todos nós.

Até quando seremos assim?

Não procura a resposta nas páginas do oráculo.

Sabe de antemão que, por mais ensinamentos que ali houvesse, hoje – e por enquanto – esses não conseguiriam lhe esclarecer as dúvidas e se sobrepor a sordidez que nos aflige.

Olha a vermelhidão de um surpreendente céu no fim de uma tarde.

Ergue-se, e também ele se põe a caminhar. Em constrangedor silêncio à própria omissão e covardia.

….

* Crônica inspirada nas reflexões do personagem Pablo do livro O Senhor Embaixador, de Érico Veríssimo. 

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