Reprodução do Instagram
…
Recebo a foto no WhatsApp.
Vem com a seguinte legenda:
Largo do Cambuci em 1950
E o comentário da mana Doroti:
Ano em que você nasceu
…
Minha resposta, em forma de post:
Adorei a lembrança.
Faz mais tempo do que eu gostaria de admitir.
Mas, tudo bem!
Adorei rever o Largo do Cambuci da minha mais tenra infância.
Muito provavelmente o douto retratista fez o registro da cena debruçado sobre os batentes de uma das janelas do prédio de dois andares do Grupo Escolar Oscar Thompson, onde estudei o curso primário.
Repare na angulação da imagem. Nada sugere que foi tirada ao rés do chão.
Incrível.
O Grupo ficava exatamente, ali, na esquina com a rua Luiz Gama.
Tenho poucas lembranças do interior da escola. Lembro a imponente escadaria de madeira, as grandes janelas, as carteiras de madeira escura, o pátio do recreio… O que mais?
As professoras Izabel (com z) e Laura.
Os arredores do Grupo me são mais nítidos.
A loja que vendia artefatos de couro – sela para cavalo, arreios, correias, cintos, bolsas, malas, bola de futebol, entre outros – ficava à direita, na mesma calçada.
A sorveteria, logo em frente.
Era preciso atravessar a rua Lavapés.
“Cuidado! Olhe para os dois lados. Olha o bonde, o lotação…”
Ao lado da sorveteria, um empório bem diversificado.
(Desconfio que seja esse da foto com o toldo aberto.)
Um pouco mais adiante havia uma farmácia, uma loja de tecidos… Casas Pernambucanas, talvez.
Mais adiante ainda uma lojinha estreita que, nos meses de outubro, novembro e dezembro, vendia peças para o presépio do Natal.
(Tio Neno adorava.)
Os vendedores ambulantes – raspadinha, quebra-queixo, puxa-puxa, amendoim e pipoca – enfileiravam-se na calçada da Luiz Gama à espera da saída da criançada.
Vez ou outra, aparecia uma senhora com um tabuleiro de cocadas.
Tinha a branca e a marrom.
Olaiá…
Quantas lembranças!
…
Despeço-me da mana.
Mas, fico com a foto ampliada no celular viva em minha mente- e me espalho nessas e em outras reminiscências.
Dizem que o primeiro supermercado da cidade de São Paulo foi instalado no Largo do Cambuci.
Chamava-se Peg Pag.
Será verdade?
Anos 50.
Hoje funciona uma loja do Extra no local.
…
Ali, no largo do Cambuci, havia um estúdio fotográfico onde o pai e a mãe nos levavam à época do carnaval.
Esqueçam a folia, confetes, serpentinas, lança-perfumes!
O motivo era outro e solene.
Registrar para a posteridade a fina criatividade de nossas fantasias.
(A minha, de toureiro, foi a que fez maior sucesso. Modéstia à parte.)
…
Havia duas pastelarias, as coqueluches da época anterior às lanchonetes.
Em calçadas opostas. Uma de cada lado do Largo.
Era uma festa, regada a caldo de cana, visitá-las. Só em datas especiais.
…
A propósito, desconfio que o que lhes conto a seguir nem a Doroti sabe:
Foi nesse cenário que me iniciei na vida política.
Precocemente, diga-se.
Devia ter seis para sete anos. Talvez menos. Mas, ainda guardo na memória o Largo do Cambuci precariamente iluminado, mas todo enfeitado com faixas e cartazes do doutor Adhemar de Barros.
Impressionou-me de pronto toda a movimentação que antecedeu ao comício.
Senhores de terno e gravata — muitos com chapéus — desciam rapidamente dos bondes e lotações para buscar um lugar mais próximo possível ao palanque.
O alvoroço que foi a chegada daquela figura grandalhona, sorridente, de extrema empatia popular.
Da discurseira, nada entendi. Nem poderia. Aliás, não estava entendendo bulhufas do que acontecia ao meu redor.
Mas, o pai estava feliz como nunca. Eufórico mesmo.
E quando o Chevrolet preto, pesadão, levando o ilustre doutor Adhemar de Barros, passou lentamente perto de nós em meio à multidão, o pai aproveitou uma brevíssima parada, ergueu-me sobre os próprios ombros e fez a apresentação aos berros:
– Doutor, doutor, esse é meu filho!
…
…
O que você acha?