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O Calabrês *

Foto: Arquivo Pessoal

Não conheci meu avô paterno.

Morreu meses antes de eu nascer.

Como forma de homenagem, herdei seu nome, Rodolfo e, involuntariamente,  também o jeitão estouvado de tentar resolver as pendengas que a vida se nos apresenta.

Não à toa que o apelido do vô Rodolfo era “o Calabrês”.

Ele era alfaiate e chegou ao Brasil no início do século 20, com 16 anos.

1903, dizem.

Veio junto com os irmãos “fazer a América” – e por aqui ficou.

Constituiu família ao lado da italianinha, Rosina Leone, e teve uma penca de filhos.

Aldão, meu pai, era um deles.

Meus tios sempre trataram a história do vô Rodolfo como um tabu.

Falavam superficialmente dele. Do jeitão ensimesmado, do copo do bom vinho a acompanhar o dia a dia entre tesouras, agulhas e tecidos.

O pai sempre preferiu ressaltar a imensa saudade que o vô Rodolfo sentia da terra natal para onde retornou uma única vez “para tratar de assuntos incertos e não sabidos”.

Mais mistérios.

Certa vez, ainda jovem, ouvi de algum familiar – não me lembro qual – que o vô literalmente “enlouquecera” de tanta melancolia.

Estranhei o silêncio cúmplice da parentada ao redor – o pai não estava presente –, mas não dei importância à falação.

Quando se é mais novo, imagina-se que aquele momento que vivemos é único. Que as premências que se apresentam – por mais tolas que sejam – são eternas, e o quê efetivamente valem.

Não existe a história.

Nem os passos que fazem o caminho.

(Ledo e ivo engano.

Só o tempo e a nossa vivência para por as coisas no devido lugar.)

Há alguns anos, passei alguns dias em Nápoles (ô saudade!) e visitei o porto de onde partiram os navios que trouxeram os italianos para o Brasil.

Fiquei tocado com as narrativas que lá ouvi.

Nenhuma novidade. Histórias que os livros oficiais nos ensinam ainda que superficialmente. Falam da crise econômica e social na bela Itália; do desemprego e da fome a grassar implacável pelas famílias do sul da península. Falam dos contingentes de italianos a sonhar com a perspectiva de vida melhor e de “fazer a América”.

O sonho de todos era voltar para sua aldeia, para a sua gente, enfatizou o guia que nos falava.

Sorte que raros tiveram.

— Imaginem o que era para aqueles homens e mulheres rudes viver longe das pessoas que amavam e da terra onde nasceram?

Não precisei nem dos versos pungentes de “O Sole Mio” para ter uma vaga noção e entender “a melancolia” do vô Rodolfo.

Há coisa de uns 10 anos, passei o fim de ano em Torino, na Itália.

Na praça central, o réveillon reuniu uma multidão para (o que foi para mim) um inesquecível espetáculo.

Logo após as esperadas badaladas da meia-noite, vieram os fogos e a confraternização…

Em seguida, o grupo musical atacou com os acordes do hino nacional da Itália.

Todos cantaram. Em uníssono e visivelmente comovidos.

Experiência única. De emoção e alumbramento.

Desconfio que o vô Rodolfo estava entre nós.

Não me perguntem como, mas deu para entender a razão e o motivo.

* Publicado originalmente em 31/07/2012

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