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A Grande Guerra *

Foto: Arquivo Pessoal

“Nas guerras, não há culpados. O que há são desgraçados” – (Shakespeare)

— O senhor é padre?

Olha, caro leitor, já me confundiram com quase tudo nesta vida.

Mas, garanto com toda a convicção: foi a primeira vez — e até aqui a única — que me fizeram tal pergunta.

— Ainda não, respondi.

E completei brincando:

– Mas, se continuar com esse ar de santidade, acho que chego lá.

A senhora estava à porta da secretaria da Paróquia São José e eu estacionava o carro para ir à igreja, antes de começar o dia na Redação.

(Esse, aliás, é um hábito antigo que tenho, provavelmente originário da minha formação marista. São nesses minutos de oração e reflexão que posso estar comigo mesmo e saborear instantes de paz antes de enfrentar a penca de compromissos diários. É a batalha nossa de cada dia, como gostava de dizer um velho amigo, sempre que via um dos nossos à beira de um ataque de nervos.)

À saída do santuário, vejo outra mulher a conversar com um jovem, provavelmente seu filho e aniversariante.

Escuto sem querer querendo o que ela diz:

“Você começou a dar uns pontapés na minha barriga às duas horas da madrugada, mas só nasceu mesmo ao meio-dia. Foi o dia mais lindo da minha vida”.

Compreendi que os dois estavam ali rezando e agradecendo o milagre da vida — de algum modo, me emocionei.

E tive a convicção – mesmo não sendo o pároco – que Deus saberá abençoá-los.

Cheguei no jornal e fui conferir o calendário.

20 de março de 2003.

Bela data!

Uma pena ficar marcada na História pela lamentável declaração de guerra dos Estados Unidos ao Iraque.

Confesso que não entendo esse conflito mesmo que me digam tratar-se da inevitável luta do Bem contra o Mal.

Acompanho o noticiário sobre o assunto até por dever de oficio.

Estou convicto de que faltam peças nesse quebra-cabeça, chamado “Motivos para a Guerra”.

Alega-se que o 11 de setembro é determinante para a triste realidade.

Diria até sem medo de errar que declarou-se ali a tal Guerra Santa, que pode vir a se transformar numa Grande Guerra. Lamentavelmente estamos muito próximos disso.

A fala do presidente Bush na madrugada de quarta para quinta deu ênfase ao tamanho da encrenca:

Essa guerra vai demorar mais tempo do que gostaríamos que levasse, e não há prazo para terminar.

Não entendo o que se passa na cabeça dos Senhores da Guerra.

Sei que, por mais precisas que sejam as novas armas, não evitam a morte de inocentes e a expansão da miséria em todo o Planeta.

Falo não apenas da miséria material, mas principalmente da constatação que esgarça a alma e o espírito de todos nós.

* Quase 20 anos depois, tomo a liberdade de republicar o texto que escrevi no editorial do jornal em que trabalhava.

Mudam-se os personagens, mas a trágica realidade ainda nos assombra e oprime.

Somos incapazes de construir a paz.

De viver em paz.

Fico a imaginar: se esses tais senhores tomassem mãe e filho como exemplo e acordassem com a proposta de, com sinceridade, agradecer a Deus pelo benção que é estar vivo, certamente não teriam tempo de fazer a guerra.

“Há um clarão de luz em cada palavra ” – (Leonard Cohen)

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