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Democracia não é palavra vã

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Foto: Jô Rabelo

* Trechos de artigo anônimo publicado em Almanaque para a Democracia Portuguesa – Ano 1, Lisboa, 1870, pp. 41-44, atribuído a Antero de Quental (1842/1891).

Consta da coletânea de artigos  As Utopias Estão à Solta Por Aí, selecionada e organizada pelo publicitário e escritor Carlito Maia (1924/2002) nos idos dos anos 80, quando o Brasil vivia o esperançoso período das Diretas-Já e da almejada redemocratização. Que se fez às duras penas – e em definitivo.

Importante, creio, revisitá-lo no dia de hoje,

(…)

A democracia não é uma palavra vã: o que tem sido é uma palavra mal compreendida.

Filha das revoluções, a democracia não é contudo a anarquia: é, pelo contrário, a ordem e o direito. Saída dum impulso de nivelamento, ela não é todavia a espoliação, mas sim a igualdade rigorosa e a justiça distributiva aplicadas ao trabalho dos homens e à sua retribuição. Erguendo-se, enfim, em nome da nossa reivindicação natural contra as velhas legislações opressoras, a democracia não vem abolir as leis, mas reformá-las segundo um modelo ideal de verdade e de razão.

Como a definiremos?

É a igualdade social e econômica, tendo por instrumento a liberdade política. É a partilha justa, entre todos os membros da sociedade, dos bens materiais, como garantia duma igual distribuição dos bens morais entre todos. 

É a ponderação das forças sociais, feita pela lei ou pelo pacto livre, em vez de ser feita pelo acaso cego, pela luta fraticida, pelo equilíbrio, a cada momento instantável, da concorrência.

É o trabalho considerado, definitivamente e realmente, a única base do Estado.

É a lei feita, enfim, por todos, em serviço de todos.

É o povo chamado ao banquete olímpico da instrução, da prosperidade e da moralidade.

O que há mil e oitocentos anos exclamou da sua cruz um mártir a liberdade, cravando no céu os olhos cheios de fé, a democracia, alargando por sobre a terra, patrimônio da humanidade, os seus olhos cheios de ciência e verdade, repete-o hoje com mais força ainda: paz aos homens de boa vontade.

(…)

Nesta luta quem é o culpado? Quem é o agressor?

O povo, que só pede aos que o exploram que se convertam, que queiram viver na paz fraternal da lei e da justiça, ou as realezas, as oligarquias, os governos do privilégio, que se recusam a ouvir estas palavras de concórdia, que se recusam a toda conciliação, a toda a arbitragem, e só sabem responder aos argumentos dos tribunos populares com golpes de Estado, com embustes e violência?

A História julgará

A imparcial História dirá que, nesta luta travada entre o povo que trabalha e é espezinhado, e os governos que o exploram e triunfam, quem realmente é o agressor, quem é o quebrantador da paz pública, quem ateia a guerra civil e leva as nações a virarem-se contra si mesmas nas convulsões frenéticas da revolução social.

(,,,)

Quanto a nós, antes do juízo da História, somos pelo povo, porque a causa dele, julgada pela nossa consciência, foi achada boa e santa.

O que pedem não é o ócio doirado, as pompas cortesãs, os deleites, as opulências; nada disso. 

O povo pede simplesmente o pão do corpo e do espírito em retribuição do seu suor. Pede garantias para que o fruto de seu trabalho não seja absorvido pelos ociosos e tiranos. Pede o agasalho e a instrução para os seus filhos, e para si a liberdade de dispor da sua pessoa e do produto integral da sua atividade.

Em duas palavras: o povo pede que o deixem ser homem.

(…)

É o que significa a palavra – democracia.

Que esta revolução se possa fazer pacificamente, é o voto mais íntimo dos nossos corações.

Senão, que a responsabilidade recaia toda sobre os que desencadearem as tempestades!

Quanto a nós, queremos a Paz – mas também queremos a Justiça.

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