Domingo de eleições. Taquatinga/Foto: Edilson Rodrigues (Agência Senado)
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Cito Chico Buarque. Para não perder o hábito e também – e principalmente – porque Chico está sempre do lado certo da Força:
“Vamos ao que se pode!”
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Idos de 1973.
Naquele tempo…
Fez-se o que o próprio André Midani, poderoso diretor da gravadora Philips/Polygran, chamou de o Festival dos Festivais, o Phono 73.
Uma das tantas atrações do espetáculo seria o encontro de Chico Buarque e Gilberto Gil para a interpretação da inédita (e censurada) “A Flor da Pele”, hoje mais conhecida como “O que será que será”.
Artistas no palco, começa a dolente canção – e minutos depois as luzes se apagam, a energia energia é cortada.
Faz-se a escuridão.
Todos ali sabem o motivo: a ação da censura. Implacável.
Tensão entre os artistas. Tensão na plateia. Até que os mais próximos ao palco ouvem a voz de Chico. Resiliente e firme:
“Vamos ao que se pode. Vamos ao que se pode…”
As luzes se acendem. A energia se reestabelece – e ele canta a romântica e, desde então, emblemática “Noites dos Mascarados”.
– Quem é você?
– Adivinha se gosta de mim?
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Caros,
Fiquei horas diante da TV ontem para acompanhar a tal ‘marcha das apurações’ e segui, noite adentro, acompanhando os comentários dos jornalistas, entendidos e afins. Enquanto isso ainda espiava no celular para ver o que diziam os portais de notícia.
Fui dormir lá pelas quatro da matina na vã tentativa de entender o que se passa com as gentes de Brasil varonil.
Não preciso dizer, mas digo: fiquei alvoroçado, formulei mil hipóteses, especulei outras tantas – e, por fim, eis minha única conclusão:
Os berros das urnas não foram dos mais favoráveis para as forças progressistas.
Não era este o escopo de um Brasil ultraconservador que gostaríamos ver emergir da soma dos votos em pleno século 21.
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Amigos,
Faço a ressalva, porém.
Não foi pelo desempenho eleitoral do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva que a coisa toda desandou no parlamento e muitos governos estaduais.
Elegemos o mais retrógrado dos congressos desde os tempos da redemocratização.
Triste, mas real.
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Pensem comigo:
Sem a liderança e a desassombrosa coragem do ex-presidente, pergunto:
Quem seria capaz de fazer frente à avalanche de votos da extrema direita e seu títere?
Quem nos daria o fio de esperança que hoje sustenta nossas ideias e ideais?
Ciro?
Simone Tebet?
Quem?
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Vamos lá.
Ou melhor:
Vamos ao que se pode.
O Inominável fez campanha durante quatro anos. Usou e abusou das benesses do Planalto e…
Até suas hordas de apoiadores sabem que o jogo pela Presidência não está ganho.
Lula sozinho – porque, convenhamos, esses votos são do Lula e só dele e para ele – conseguiu bater nos 48 e quequérecos por cento de votos.
Ou seja: mais de 56 milhões.
Menos de 2 por cento o separaram da conquista decisiva no primeiro turno.
Ainda estamos no jogo – e bem próximos da meta.
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Não é hora de esmorecer.
Gostemos ou não, há que se reconhecer:
Esse Brasilzão tem declaradamente uma extrema direita para chamar de sua.
E o tal fenômeno do retrocesso, comandado pelo Inominável, tem milhões de simpatizantes no país.
Não se desvanecerá tão cedo.
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Jogo jogado.
Serão quatro semanas pesadas, penosas de embates para os que imaginam o tal Brasil solidário e contemporâneo.
Lembremos a citação do filósofo Antonio Gramsci:
“Cético e consciente dos problemas que teremos de enfrentar – e otimista na ação.”
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Diria que retroagimos, como sociedade, ao lusco-fusco que vivíamos nos idos dos anos 70.
Há que se estar atento.
Quem lhes disse que a consolidação da democracia é tarefa de una ou duas gerações?
Há que se perseverar, sem perder a ternura e a fé.
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Sei que é barra, difícil mesmo – eu mesmo escrevo-lhes ao mesmo tempo que tento me convencer.
É o que nos resta, porém.
Sem perder a ternura e a repetir Chico Buarque:
Vamos ao que se pode, gente!
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