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Lembranças de um velho repórter *

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Foto: Anísio Assunção (in memorian)

*A título de curiosidade (talvez mais minha do que dos próprios leitores), procurei nos meus alfarrabios reportagem que fiz sobre as vicissitudes das enchentes paulistanas que fiz em meus anos de jornalismo. Foram várias. Selecionei uma delas para o nosso Blog. Não é das mais antigas. Foi publicada por Gazeta do Ipiranga na sexta-feira, 28 de abril de 2000.

Há quase 24 anos, portanto.

Se me derem a honra de ler e compartilhar, fiquem à vontade.

Desconfio que pouca coisa (ou quase nada) mudou daquele meu relato.

Confiram!

SALVE-SE QUEM PUDER

“Você não comanda o espaço e o tempo em que a chuva cai”

01. Por um desses desvãos do destino, lá estava eu na manhã de quarta-feira em plena via Anchieta a 150 metros do Ribeirão dos Meninos, que acabara de transbordar e inundar as duas pistas (central e marginal) que ligam o ABC a São Paulo. Os homens (e agora também mulheres) da Polícia Rodoviária interditaram a passagem dos automóveis e, entre esbaforidos e resignados, restou aos motoristas duas alternativas: esperar candidamente que as águas baixassem ou arriscar-se por caminhos nunca dantes navegados, via Rudge Ramos, São Caetano ou, no meu caso, por onde fosse possível avistar a terra santa do Ipiranga.

02. A primeira alternativa, à luz do bom senso, me pareceu adequada. Mas, a pressa em chegar à Redação e à vida me fez seguir o comboio de carros que, após algumas manobras, enveredou rumo ao desconhecido encharcado das ruas e vielas que margeiam a Avenida Guido Aliberti, alagada em todo seu trajeto. Fracassaram nossas vãs tentativas de atravessar o Ribeirão na ponte da Estrada das Lágrimas, da Rua Any em Vila Cristália e alcançar a Almirante Delamare, através da avenida Goiás. Ali, no início da principal via de acesso a São Caetano, tomada pelas águas e absolutamente intransitável, paramos todos — e imaginei que o melhor era ficar por ali mesmo. Fim de linha, mas não da esperança…

03. Um Civic preto, dirigido por um circunspecto senhor, subiu no canteiro e fez o retorno, imagino, sem saber para onde. No segundo seguinte, dois outros veículos realizavam a manobra; e depois outro e outro e também fui nessa. Não me pergunte como, sei que de repente estava na enxuta avenida Presidente Wílson (milagre dos milagres!), daí avenida Carioca e, minutos depois, a visão da torre da igreja Nossa Senhora Aparecida… Enfim, o Ipiranga dos nossos amores.

04. Pelos caminhos alagados, pude constatar in-loco as vicissitudes que a chuvarada da madrugada de quarta fez na região e acompanhar pelo rádio outra tragédia das águas na cidade e em algumas cidades do interior do Estado. Ouvi também as esfarrapadas desculpas das autoridades, isentando-se de qualquer responsabilidade. E lembrei que, duas colunas atrás, escrevi que para os homens do Poder, em última análise, São Pedro é sempre o culpado. E a gente que se prepare. Vai ser um salve-se quem puder. Há previsões de novas pancadas de chuvas para a estação.

05. Se vale um conselho depois dessa jornada de mais de duas horas, procure e permaneça em lugar seguro sempre que se vir em tal e qual situação. A sensação de ver uma tampa de bueiro ir pelos ares e a água jorrar a poucos metros do seu carro é literalmente assustadora e de conseqüências sempre imprevisíveis. Depois do susto, vem à mente que aqueles que têm a obrigação de resolver o problema, quase sempre, nesta exata hora, estão no aconchego do seu Gabinete Oficial e posteriormente sobrevoam a área de helicóptero em busca de publicidade e voto para as próximas eleições.

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