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Lugar de repórter é na rua

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Foto: jardins do Parque da Independência/Divulgação

*Memórias dos meus 50 anos de jornalismo...

OUTONO

– Vamos dar uma chamada sobre o outono na capa. Rudi, vai pra rua e traz uma matéria sobre…

– Sobre?

– Sobre o outono, carapálida. Lugar de repórter é na rua. Não ensinam isso na tua escola, não?

Detalhe:

O tal Rudi era eu.

Foi o apelido que ganhei assim que cheguei à velha redação de piso assoalhado e grandes janelões para a rua Bom Pastor.

Aliás, fazia pouco mais de uma semana que andava por ali, fazendo notas e ajudando no que podia.

A pauta encomendada pela chefia, o AC, era papo de responsa, como se dizia então. Chamada na primeira e tudo mais.

II.

Mas, havia um inconveniente: por onde começar?

Tinha o óbvio: o blablablá que o outono é a estação que começa em 20 de março e termina em 21 de junho, que permeia o verão e o inverno, quando as folhas caem etc etc…

– Mas, não é bem o que eu quero, campeão.

– ???

Minha cara de paisagem e a pressa com o que o AC queria me despachar para a indomável tarefa receberam a palavra final:

– Se vira, estagiário. Vai pra rua e ouve as pessoas. O Romeu (o fotógrafo) vai contigo. O seu Elizeu (o motora) já está com o motor ligado, corre…

III.

Corri.

Fomos ao Parque da Independência, ouvimos as pessoas. Depois, andamos pelo Ponto Fábrica, entrevistei lojistas e fregueses. Lembro que falamos com uma motorista de ônibus, coisa rara naqueles idos dos anos 70.

Ninguém estava muito aí para a chegada do outono. Queriam mais era ganhar o suado pão de cada dia.

Alguém disse que, no Brasil, não tem disso, não.

As estações se misturam. Num mesmo dia, pode ocorrer alterações climáticas que abrangem o verão, o outono, o inverno, a primavera.

Concordei com ele, mas insisti que falasse mais sobre o outono.

– Gosto de ver as flores de abril.

IV.

Também o Romeu não se deu bem com a foto que deveria fazer. Estava um dia tipicamente de verão, e era isso que ensejavam as imagens dos raios solares se espalhando pelos jardins do Parque da Independência e o tanto de calor que fazia.

Voltamos bem desenxabidos para a redação. Texto e foto não ficaram lá essas coisas.

Não vai dar ‘primeira página’, não – prenuncia a bronca que levaríamos do AC.

V.

Deu ‘primeira’.

Não lembro, mas o AC usou seu talento criativo. Pinçou uma declaração, digamos, mais poética de um dos entrevistados e uma foto de uma área verde próxima ao Museu. E chamou para a reportagem que consistiu, basicamente, nos depoimentos de alguns dos entrevistados.

No fim da jornada, o AC me chamou num canto e disse, em tom professoral, e inesquecível:

– Rudi, meu camarada, você precisa ler Rubem Braga. Jornalismo é vida, mas também é sentimento.

*Texto originalmente publicado em março de 2018. Vai pra antologia...

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