Foto: Arquivo Pessoal
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Poderia se chamar Cândido, como o famoso personagem de Voltaire.
Inocêncio também seria um nome que lhe caíria bem, à perfeição de uma luva.
Plácido, talvez.
Ou Pacífico da Paz, igual ao desenho que eu assistia quando criança.
Tudo o que ele quer e faz é evitar conflitos.
Detesta confusão, tumulto, discórdia.
“Cada um, cada um” – diz a seu modo bem conciliador.
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Vou chamá-lo, no entanto, de Jeremias, que era um nome que ouvia nos antigamentes da minha infância – e, desconfio, lhe cai bem.
“Na dúvida, afaste-se e deixa quieto” – diz o moço em outras das suas harmoniosas citações.
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Faço a apresentação de Jerê (reparem na intimidade, já somos próximos) porque ele me procurou para narrar alguns episódios que viveu – e desejaria, “caso os casos não fossem inconvenientes”, vê-los publicados em nosso desambicioso Blog.
O novo amigo aspira figurar na seleta galeria de colaboradores das minhas humildes postagens.
Almeja “estar entres os bons”, diz ele.
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Não vejo problema.
Não lhe dou garantia alguma.
Separo, porém, um dos casos para compartilhar com os amigos-leitores.
Vejam o que acham?
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Aconteceu no fim da tarde de quinta agora.
Jeremias, o amável, foi ao Allianz Parque para ver jogar o Palestra, time do seu coração.
Como milhares de palmeirenses fazem nessas ocasiões, resolveu dar uma passadinha para comer algo e fazer uma horinha no Bourbon Shopping, que fica na mesma rua do estádio.
Não sabe bem como, o nosso novo amigo bobeou no ir-e-vir das escadas rolantes e, quando se deu conta, estava no andar do estacionamento.
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Perdeu-se entre os poucos veículos e o grande espaços vazios.
Seu senso de orientação não é lá essas coisas, mas o faro para observar mínucias permanece intacto.
Tanto que logo chamou sua atenção a lenta chegada de um Onix à procura de vaga.
O automóvel embicou em uma das vagas para “Idoso”, mas deu ré – e foi se acomodar numa outra que estava livre, sem qualquer restrição de acesso.
Do carro, todo saltitante, saiu um senhorzinho vestindo a nova camisa do Palmeiras.
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Estava bem-humorado.
Antes que Jeremias lhe dissesse algo, o +60 foi logo dizendo:
“Melhor deixar a vaga para quem precisa, não? Nunca se sabe.”
Jerê, o amável, concordou como é de seu feitio.
Fez um aceno de ok, com o polegar. Em troca, ouviu:
– Bom jogo pra nós!.
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Degustava ternamente o encontro e o bom presságio que acabara de receber, quando chegou, cantando pneus, um portentoso veículo escuro, com vidros pretos – e, após duas ou três ruidosas manobras, se posicionou de ré, impavido colosso, numa das vagas dedicadas exclusivamente para os idosos.
Logo saltou o jovem Pimpão que pilotava a máquina. Desses taludões, moldados a ferro e gatorade nas academias da vida.
Sem cerimônia, e sem o credenciamento devido, fechou o possante.
Sem constrangimento algum, percebeu o olhar de censura de Jeremias, mas não se fez de rogado:
– Fica tranquilo, tiozão. Hoje o estádio não vai lotar. Tem vaga pra todo mundo.
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– E aí, Jeremias, o que você fez? Disse algo para o dito-cujo?
– Dizer o que para o Brutamonte? Caso perdido. Questão de civilidade. Se não aprendeu até agora, não vai aprender nunca.
E concluiu com o desalento que, creio, aflige a cada um de nós, os minimamente cordiais.
– A batalha da solidariedade, da empatia social, essa, amigo, nós já perdemos. Cuidemos das próximas gerações.
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* A propósito, o Palmeiras venceu o Liverpool genérico, do Uruguai, por 3 a 1 na segunda rodada da Taça Libertadores. E o nosso prezado Jeremias costuma, quando pode, ir ao Allianz de Metrô. Sai mais em conta…
O que você acha?