Foto: Jô Rabelo? Arquivo
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A camisa do República Atlético Clube era branca com gola e frisos vermelhos nas mangas.
O Lago Clube usava um uniforme todinho azul. Com detalhes em amarelo.
O Triângulo jogava de branco.
O Liberdade tinha a camisa vermelha, igual à do América carioca.
Já o São Luiz reproduzia o fardamento da seleção paulista, com listas finas e verticais em preto e branco. Gola e detalhes vermelhos nas mangas.
Também listadas eram as vestimentas do Santos do Cambuci (em preto e branco, óbvio) e do Vila Deodoro (em azul e vermelho, se bem lembro).
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Por que lhes conto isso?
Faço de uma lembrança de infância o tema de hoje.
(Dedico esse texto à ala palestrina dos meus cinco ou seis leitores que está com os nervos à flor da pele com o imbróglio Palmeiras/Dudu/Cruzeiro. Tranquilize-se, rapaziada. Não vale à pena se exasperar. O futebol é hoje descaradamente um grande negócio. Fiquemos apenas com nossa memória afetiva e os tais melhores momentos.)
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Então…
Naquele início dos anos 60, as camisas de futebol eram de algodão grosso, e custavam os olhos da cara.
Tanto que toda vez que algum clube de várzea trocava o uniforme, a estreia era um evento muito especial, com a realização de festival reunindo os mais famosos times da região e valendo taça.
Se houvesse algum benemérito que doasse o fardamento, acrescentava-se, ao cerimonial do dia, discurso de agradecimento e pontapé inicial.
Um bando de garotos remediados, como éramos, não tinha qualquer perspectiva de bancar um luxo desses.
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Acontece que haveria um torneio entre os moleques das ruas vizinhas, no campinho da rua Apiaí – e nós, a turma da Muniz de Souza, resolvemos surpreender os adversários.
Não lembro quem foi o autor da ideia. Mas, alguém falou em participar do ‘pega’ devidamente paramentado. Faríamos bonito diante dos anfitriões (o pessoal da Apiaí, hoje Miguel Teles Júnior) e os demais participantes – os times das ruas Albino Barbosa e Mazzini e da Barroca (que ficava lá pelas bandas da Robertson).
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Um porém, e sempre existe um porém…
Não havia grana. Nem faltando, nem sobrando.
Bolou-se, então, a seguinte estratégia: percorreríamos a sede dos clubes da região (que jogavam alternadamente nos finais de semana no estádio distrital do Parque da Aclimação) para pedir/implorar a doação de algum fardamento roto, esgarçado, velho que já não usassem.
Quem sabe não tiraríamos a sorte grande?
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Feito o périplo, a arrecadação, enfim, não foi das mais convincentes.
Nenhum dos poderosos esquadrões da bola tinha um jogo de camisas para nos ofertar.
(Era de se esperar.)
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No entanto, a rapaziada foi generosa conosco, na medida do possível. Cada um, a seu modo, doou uma ou duas camisas de uniformes antigos, amplamente avariada pelo tempo e o uso.
Ao fim do dia, quando o pessoal se reuniu e conferiu a coleta, foi inevitável um clima de decepção.
Não poderíamos jogar cada qual com um manto diferente.
O que fazer?
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Com a palavra o Claudinho Zeola que teve um lampejo de criatividade. Inspirado no pai que era funcionário da indústria de Corantes Guarani, Zeola sugeriu que tingíssemos as camisas – todas – de uma só cor e, assim, todos os problemas estariam resolvidos.
Aceita a sugestão, tratamos de nos reunir, na manhã seguinte, em um terreno baldio da Vila (também chamada de Malocão), onde ninguém nos visse, para o intrépido trabalho.
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Providenciamos uma fogueira e um enorme latão. Enchemos o recipiente de água e, seguindo as instruções do tubinho de corante, fomos despejando a poção mágica à medida que a água fervia.
Passo seguinte: mergulhar as camisas uma a uma no pretenso caldeirão enquanto nos revezávamos em mexer a água com improvisados dois cabos de vassoura.
Foram horas ali, na lida.
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Horas ali, na lida – para nada.
Não sei se carregamos demais na tinta. Ou se deixamos a água ferver além da conta. Não sei se mexemos demais ou de menos.
Sei que as peças não resistiram à nossa alquimia.
Quando fomos estender as ditas-cujas num imenso varal que providenciamos às pressas, as camisas se desfaziam em pedaços em nossas mãos, como se fossem bolhas de sabão.
Ao menor toque, um enorme rasgo.
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Sem alternativa, lá fomos nós para o campinho devidamente descamisados, Mas, com o firme propósito de sermos campeões.
Não fomos – e o torneio não terminou. No meio da primeira partida, começou um temporal daqueles e alagou tudo – inclusive o campinho. Corremos para nos abrigar no bar da esquina da rua Ubá com a Muniz.
Dali, ainda deu pra ver o latão em que tingimos as camisas boiando na enxurrada, levava com ele o que restou dos nossos trapinhos, e das nossas vãs ilusões.
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*Texto original publicado em novembro de 2016.
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O que você acha?