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A caminho do Grupo Escolar

A atendente do Laboratório de Análises Clínicas se espanta.

Só há farelos no pequeno pacote de bolachas que me entrega para dar fim ao jejum de 12 horas, necessário para aos exames de rotina que Dona Yolanda, minha mãe, acaba de fazer.

Ela pede desculpas e se apressa em me oferecer outra unidade que, me garante, está intacta.

A gentil moça nem desconfia. Não estou mais ali.

Viajei a um tempo que o tempo finge esconder, mas não consegue.

A mãe dava os tostões que podia – e quando podia – ao garoto que, aos 9 anos, batia a pé o quilometro e tanto que separava a sua casa na rua Muniz de Souza ao Grupo Escolar Oscar Thompson, no Largo do Cambuci.

Na caminhada, reuniam-se os amiguinhos, com a mesma calça curta azul-marinho (que eu detestava), a camisa branca passadinha que só e a gravata, também marinho, que ganhava a cada ano uma lista transversal branca, equivalente ao ano em que o aluno estava cursando.

O futebol era o assunto mais comum – a seleção de Pelé, Garrincha e Cia ou o time do coração de cada um. Todos éramos muito fanáticos. Também comentávamos as séries de TV do dia anterior – Rintintin, Roy Rogers, Bat Masterson, Zorro, entre outras. Quem tinha o televisor quebrado (queimado, dizia-se à época), nessas horas, sentia-se a mais infeliz das criaturas. O último dos últimos…

Desconfio, porém, que nossa preferência era juntar as moedas para ver o que podíamos comprar entre as tentadoras delícias que se apresentavam em frente ao Grupo Escolar e que todos saboreávamos fraternalmente: a cocada de tabuleiro, o quebra-queixo, sorvete de massa que saía da máquina na sorveteria do seo Luiz, as queijadinhas…

Eu adorava mesmo as bolachas que comprávamos numa doceira ainda na Muniz de Souza. Bolachas e biscoitos chegavam acondicionados em latas para os comerciantes que as vendiam por peso.

O que restava nas latas – bolachas quebradas e farelos – eram vendidos bem mais baratos. O que significava uma porção maior para que eu fartasse a valer minha insaciável gula.

— Você tem o olho maior do que a boca, dizia a Dona Yolanda.

Agora, ofereço as bolachas inteiras a ela que chega sorrindo, a exibir o pequeno circulo de esparadrapo no braço, como a dizer: “vai dar tudo certo, estou bem”.

Aos 85, a mãe é um poço de otimismo, e saúde. Amém.

Quanto a mim, não ando lá aquela coisa, não.

Diria até que já fui melhor.

Não sou assim um Zé Mayer, mas tenho lá minhas vontadinhas.

Adorei os farelos de bolacha de hoje cedo.

Se fosse o ‘garanhão global’, pegaria o celular da atendente. Mas, não desprezaria a guloseima.

* FOTO NO BLOG: Nova York/arquivo pessoal